São Paulo, sexta-feira, 29 de março de 1996
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A vaca louca

JOSÉ SARNEY

Nesse mundão de problemas que vão das epidemias, das endemias, das drogas, das migrações massivas, dos fundamentalismos, das guerras religiosas, dos assassinatos políticos, das lutas de fronteiras, do crime organizado até as ameaças das guerras biológicas, da guerra atômica, do terrorismo e dos problemas de salvar a natureza da destruição causada pelo próprio homem ainda nos chega esse susto danado, que arrepia e causa pânico, de existir uma "doença da vaca louca", que pode sair dela e pegar nos homens, logo por onde os homens procuram viver, pela boca, na alimentação.
Os vegetarianos estão tranquilos, uma vez que sempre recusaram a carne, sem saber que muitas vezes esta é a transformação de vegetais em proteínas.
A "vaca louca" fica louca porque depois de 21 anos o tal bichinho que a atacou vem à tona e amolece o cérebro, desregula os movimentos e o animal fica a gingar e rodopiar sem controle, se desmilinguindo, como se diz coloquialmente.
A Inglaterra outrora se caracterizava pelo seu poder, pela sua influência mundial, suas colônias, seus gênios na literatura e nas ciências. Agora, depois de estar nas manchetes pela doença da louca realeza, é atacada pela "vaca louca".
A Europa não quer mais comer carne inglesa, de vaca, é bem verdade, mas a avestruz, coitadinha, de quem se gostava mais das penas que da carne, agora está na mesa e vai ter que correr mais para fugir da faca.
No Brasil, e especialmente em política, se dizia, quando as coisas iam mal e caminhando para o precipício, que "a vaca vai pro brejo". O certo é que a "vaca louca" nos leva a vaca para o brejo.
E essa doença de deixar o miolo mole, também no Brasil, já se sabia que existe, e muitas pessoas foram diagnosticadas, principalmente na política, quando estavam fazendo besteiras, "de estar de miolo mole".
No Maranhão, disseram isso de Benedito Leite e ele respondeu irritado: "Quem tem miolo duro/ ou nenhum miolo tem/ não pode falar, sem dúvida/ do miolo de ninguém". Agora vejam o nosso dilema, o que será pior: ter o miolo mole ou ter o miolo duro?
Calculem se qualquer dia desses surge a doença da "vaca dura", que em vez de ter o miolo mole tem o miolo duro?
E aí vai gente de oposição, dessas que olham a coisa preta, dizer que esse negócio de "vaca dura" não é novidade, porque há muito tempo, no Brasil, a doença do povo "duro" existe e é epidêmica.
Muitos me dizem que a doença da "vaca louca" já chegou ao Brasil. Não nos rebanhos, mas na política. Que há uma tremedeira geral, os movimentos descoordenados e cada vez mais o cérebro está ficando mole, enquanto eu protesto que está ficando duro, também.
Veja-se, como exemplo, a emenda da Previdência e a CPI dos Bancos. Houve uma confusão danada, uns diziam que a vaca ia para o brejo e outros que a vaca estava louca. No final nem teve brejo nem loucura. Ficou tudo como dantes no quartel de Abrantes.
E para aumentar a confusão, procura-me uma repórter de uma revista de variedade e me pergunta:
"O senhor acompanha, de alguma forma, os acontecimentos no mundo da moda?"
Eu respondi, laconicamente: "Estou fora de moda".

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