São Paulo, sábado, 30 de março de 1996
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OPÇÃO DUVIDOSA

Em face das barganhas recentes, o anúncio de que o governo retomará o projeto de transposição das águas do rio São Francisco, ainda que em proporções menores, deixa a impressão de que o Executivo continua cedendo a interesses políticos menores em troca das vitórias no Congresso.
Existem sérias dúvidas sobre o mérito da obra e, há menos de dois anos, o próprio presidente, então ministro Fernando Henrique Cardoso, expressava veemente oposição ao projeto. Em agosto de 94, FHC questionou a prioridade da obra e chegou a afirmar que considerava "criminoso que se façam novos projetos e não se terminem os que estão em marcha".
O rio São Francisco tem, de fato, uma grande vazão de água hoje inaproveitada, e o solo da região que se pretende irrigar é bastante bom.
O projeto padece, entretanto, de graves problemas. A região está dominada por latifúndios, e a população, além de instável, é extremamente ignorante e despreparada. Ademais, uma irrigação mal realizada poderia provocar uma salinização do solo. Faltam melhores estudos sobre o impacto ambiental. Em suma, o projeto certamente traria um grande ganho patrimonial para os que mantêm a terra como reserva de valor. Já o benefício para a produção agrícola, este é bem mais duvidoso.
Dadas as deprimentes demonstrações de troca de favores à custa do dinheiro público a que o país assistiu nas últimas semanas, espera-se que o governo explique melhor, antes de começar a obra e com transparência, os motivos e méritos da iniciativa.
Afinal, para além desse projeto duvidoso, existem inúmeras precariedades e demandas de infra-estrutura no país. E as carências sociais talvez sejam ainda mais candentes. Ademais, até há pouco o governo dizia considerar os gastos e o déficit públicos como a principal ameaça à estabilização da economia nacional.
Poucas coisas são tão valiosas como a credibilidade. Seria lastimável se o governo a desperdiçasse em obras feitas ao acaso, para dizer o menos.

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