São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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'Minha hora já passou'

DO ENVIADO ESPECIAL

Três vezes por semana, prefeituras das cidades vizinhas mandam seus doentes para as sessões de hemodiálise em Caruaru. Chegam em carros lotados, alguns tomam ônibus, levantam às 2h para começar a diálise às 8h.
Na sexta-feira, uma velha Caravan de Pesqueira levava oito pessoas.
O agricultor Geraldo Bezerra dos Anjos, 44, seis filhos, há seis anos fazendo diálise, voltava feliz depois de cinco dias internados.
"A minha hora passou", dizia. O mesmo carro levava Arlindo Leite da Silva, 70, para ser internado no hospital São Sebastião.
Pelas ruas, não há há sinais visíveis de que a cidade está chorando seus mortos e doentes. Apenas uma faixa preta, sem nada escrito, se vê estendida diante da "lanchonete do Pedrão".
Os doentes e familiares se conheceram ao longo de meses nas diálises e salas de espera e fazem as contas em silêncio.
"Ele soube do seu Arnaldo, depois do rapaz nosso vizinho. Depois ele ficou assim, meio atrapalhado", conta Maria Cavalcanti da Silva.
Seu marido, o vaqueiro João Almeida, 58, está há nove dias internado no São Sebastião e já "não fala coisa com coisa". "Uns meses atrás ele ainda ia sozinho para o curral. Agora, se voltar para casa é milagre."
Para manter os laços entre os pacientes, a Secretaria da Saúde reservou um andar no hospital Barão de Lucena, no Recife, e uma enfermaria no São Sebastião.
R$ 1,00
Entre os "amigos" do São Sebastião está o agricultor Severino de Barros da Silva, 51, 5 filhos e 17 netos. Toda a família vive "tocando roça" no sítio Juá, uma hora e meia de ônibus de Caruaru em estrada de terra.
Na sexta-feira, a neta Maria José, 14, passou o dia ao lado de sua cama. "Os outros não vêm me ver por falta de dinheiro." O ônibus cobra R$ 1,00.
Uma amiga da família, que mora em Caruaru, manda bilhetes pelo motorista do ônibus. "Digo sempre que ele está melhorzinho", diz Margarida Ventura, que visita Severino todos os dias.
A enfermeira Maria das Graças de Oliveira acompanha há cinco anos os doentes que fazem hemodiálise. Já perdeu mais de cem "amigos". "Eles estão melhorando aos pouquinhos", se anima. "Estão acostumados ao sofrimento."
Neste domingo vai ter bolo e parabéns na enfermaria do São Sebastião. Linause Pereira do Carmo, cinco filhos e três netos, está fazendo 53 anos hoje.
"Só queria uma coisa: que não me levassem para Recife. Logo estou voltando para casa."

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