São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Na despedida, mãe pede à filha que cuide da casa

DO ENVIADO ESPECIAL A CARUARU

Josefa Maria da Silva, 39, sangra pelo nariz, tem ânsia de vômito e se mantém em pé na entrada do Inuc, o instituto de nefrologia de Caruaru. Espera a ambulância que a vai levá-la para o hospital Barão de Lucena, em Recife, na sexta-feira.
Josefa chegou às 8h30, a ambulância só partiu ao meio-dia. A filha Andréa Maria Silva Barbosa, 19, limpa o sangue do nariz da mãe com uma compressa molhada.
Josefa é separada e tem outros três filhos pequenos. "Vivo da ajuda de Deus e dessa filha." Andréa faz e vende comida na Sulanca, feira tradicional na cidade.
Josefa arrumou a sacola de roupa escondida dos meninos, não contou que estava indo embora. "Vou achando que volto melhor. Dizem que lá tem especialistas. Todo mundo tá indo, a médica disse que chegou a minha vez." Andréa se despede da mãe em lágrimas. "Você agora cuida da casa", diz a mãe.
Na mesma ambulância vai Manoel Belo da Silva, 65. Silva já esteve internado em Caruaru há três meses para cirurgia no mesmo IDR, o instituto de doenças renais onde os pacientes se intoxicaram.
A filha Maridete não contém o choro e a revolta. "Foi irresponsabilidade de todo mundo. Vi faxineiro varrendo perto da sonda de meu pai e enfermeiras dormindo enquanto ele passava mal."
Manoel Silva já foi taxista e policial militar em São Paulo e gosta de puxar conversa. "Ele nem sabe para onde está indo", diz a filha. A mulher, Cícera, segura suas mãos. "Promete que você vai voltar?"
Seis pacientes foram levados sexta-feira para Recife. José Clemente Filho, 52, agricultor, tem sete filhos e seis netos. "As crianças ficaram em casa chorando", conta a mulher Matilde Julia, 51.
A família tem um sítio, onde planta milho, feijão e palma para gado. "Os amigos foram indo embora, esses todos que a gente tomou conhecimento na máquina de diálise. Mas eu vou voltar, levantar antes do sol e ver cria de gado e cabra, o que eu mais gostava."

Texto Anterior: 'Minha hora já passou'
Próximo Texto: "Se a morte chegar agora, fazer o quê?"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.