São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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Descentralização provocou o descontrole

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma lei de 1989, feita supostamente para descentralizar o controle da carne, é apontada por especialistas como responsável pelo atual descontrole.
Segundo a lei 7.889, a inspeção federal cuidaria da carne para a exportação e o comércio interestadual; a inspeção estadual, do produto no próprio Estado, e a municipal, das vendas no município.
O que parecia muito lógico tropeçou num detalhe crucial, segundo Pedro Eduardo de Felício, 46, professor de Engenharia de Alimentos da Unicamp: "O problema é que os Estados e municípios não têm gente preparada nem recursos para fiscalizar. A inspeção do Estado é brincadeira, picaretagem."
Em São Paulo, parte da inspeção é tocada não por um veterinário do Estado, mas do próprio matadouro. "É como colocar uma raposa para tomar conta do galinheiro", compara José Christovam Santos, professor aposentado da Unicamp.
"Não delegamos o poder de fiscalização, mas o poder de emitir o laudo. E inspecionamos quem emite o laudo", rebate Antonio Cabrera, secretário da Agricultura.
Por delegar o poder de laudo, a inspeção paulista vistoriou 51 mil cabeças de gado no ano passado, enquanto o órgão federal ficou com 2,63 milhões no Estado.
A divergência sobre os métodos decorre das perdas que a inspeção impõe. Carne de um boi doente muitas vezes não pode ser vendida in natura. Tem de ser congelada a 10°C negativos ou aquecida a 120°C para virar carne enlatada.
Segundo Antonio Mondelli, 53, diretor do frigorífico Mondelli, o preço da carne desossada com problema cai de R$ 1,50 para R$ 0,75.
Mondelli diz que o rigor na inspeção não inviabiliza um matadouro. "Isso é mentira. Nossa perda não passa de 0,5%", conta. Dá R$ 17.500 dos R$ 3,5 milhões que fatura, em média, ao mês.
Não é prejuízo, segundo ele. "Só consigo exportar para a Itália, Holanda, Alemanha e Israel porque a carne aqui passa por inspeção."
O consumo da melhor carne brasileira pela Europa é uma das perversões da descentralização. O SIF, órgão que opera desde 1915, inspeciona os melhores matadouros e toda carne para exportação.
Os piores matadouros, os municipais, praticamente não são fiscalizados. A perversão não pára aí. A inspeção federal analisa o rebanho tratado a ração e veterinário.
O matadouro municipal fica com o chamado rebanho de descarte, a vaca leiteira que não dá mais leite, o boi velho, o novilho doente.
Como as regras não são as mesmas, um boi doente para o governo federal pode ser considerado perfeito pelo matadouro municipal.
"Deveriam existir regras únicas de inspeção no país, supervisionadas pelo Ministério da Agricultura", diz Francisco Jardim, 47, delegado do ministério em São Paulo.

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