São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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A lição de Marinalva

ALOIZIO MERCADANTE

Uma senhora, com 38 anos e faxineira entrou na Unicamp e na PUC Campinas. Ela limpava o cursinho que o DCE da Unicamp implantou para alunos carentes, criava os quatro filhos e ainda assistia as aulas. Passou em primeiro lugar! Quantas Marinalvas existem na periferia das grandes cidades? Quantos meninos brilhantes estão soltos pelas ruas, cheirando cola, revirando o lixo e dormindo no banco das praças públicas. Quantos outros abandonam a escola para calejar a mão adolescente na enxada ou sujar de graxa trabalhando na fábrica. Quantos profissionais competentes o Brasil deixa de formar?
A educação é o problema estrutural mais grave do país. A cidadania não se realiza plenamente sem o acesso universal a educação. E no mundo o trabalho, a educação é uma exigência cada vez mais determinante. A chamada terceira revolução industrial exige novos padrões de qualificação profissional, uma formação mais abrangente e compatível com a sociedade da informação. Os estudos do próprio Banco Mundial demonstram que um ano a mais na escolaridade média da população representa cerca de 4,5% de aumento do PIB de um país. A educação é uma exigência política e econômica na sociedade contemporânea.
O país precisa de novas respostas no campo da educação. Revalorizar o trabalho do professor, aprimorar as estruturas curriculares e práticas pedagógicas, universalizar o acesso e democratizar a escola. Porém, o quadro de exclusão social é tão alarmante que não há como universalizar o ensino básico sem uma fonte de renda complementar para as famílias pobres. A Marinalva não foi a escola durante muitos anos porque não podia, não porque não quisesse. O programa de renda mínima para as famílias carentes manterem os filhos na escola é uma alternativa estratégica para assegurar a universalização do ensino básico.
Porém, mesmo que o país promova uma revolução democrática e assegure ensino público de qualidade para todos, os filhos da classe média e dos ricos continuarão vencendo a corrida dos vestibulares. Fui patrono este ano de todas as turmas de graduação da Unicamp e fiz uma pergunta aos formandos: quantos haviam estudado exclusivamente na escola pública, cerca de 12, em 750 formandos. Os que estudam na escola pública, não chegam na universidade pública. Além da deterioração do ensino público, as crianças da periferia quando voltam para casa não têm como estudar, faltam livros, estímulo e as vezes até a mesa. É fundamental que possamos construir na periferia das grandes cidades um projeto simples que permita complementar a formação escolar. Uma quadra de esportes com sala de aula, biblioteca, computador e refeitório seria o suficiente. As crianças sairiam da escola para este espaço aberto, que integra esportes, cultura e a lição de casa. Um projeto barato, como barato é o programa de renda mínima. Caro é recuperar um adolescente viciado em crack, ou condená-lo a ignorância.
Educação é investimento, não é gasto. E enquanto o país não entender o papel estratégico da educação, casos como o de Marinalva serão uma heróica e solitária realização. Não há como distribuir renda, riqueza e poder sem partilhar a educação e a cultura. Valeu Marinalva, pelo esforço e pelo alerta!

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