São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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Classificar risco também é arriscado

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Na semana passada, num seminário fechado para investidores sobre perspectivas da economia brasileira, as coisas caminhavam bem até que um dos presentes lançou a dúvida fundamental.
Ele perguntou por que, se as coisas afinal iam tão bem com o Plano Real, há tanto tempo, o chamado "risco Brasil" continuava sendo julgado como muito elevado pelas principais agências internacionais de classificação de risco.
A pergunta é oportuna, mas a resposta pode ser pouco enobrecedora para essas empresas. Assim como aumenta hoje a desconfiança quanto ao rigor e independência das auditorias em balanços de empresas e bancos, há cada vez mais motivos para desconfiar das "auditorias" que se faz em países.
Fenômeno brasileiro, incompetência cucaracha? Não é o que devem estar pensando os leitores do "Wall Street Journal", que estampou na primeira página em dois dias seguidos a notícia de que a Justiça americana investiga a Moody's Investors Service Inc., uma das maiores agências de classificação de risco de Wall Street.
Entre as suspeitas está a de chantagem. Os auditores teriam ameaçado clientes "arredios" com o fantasma do rebaixamento de crédito. Como os mercados usam as classificações para definir preços e condições de acesso a recursos, um "downgrade" (rebaixa na classificação) pela Moody's pode sair mais caro para uma empresa ou governo do que aceitar os serviços de consultoria da agência. A Moody's é das mais careiras.
Por trás dessa história coloca-se ainda uma questão mais ampla, a da crença nas virtudes da completa desregulamentação dos serviços financeiros. A tese da "deregulation" fez furor nos anos 80, como peça importante na lógica da "reaganomics" (políticas econômicas do então presidente Reagan).
Hoje fala-se cada vez mais em "re-regulation", em vista de excessos e desvios como esse, da Moody's, que proliferaram num mercado onde qualquer ação do Estado ou do poder público era vista como patada de dinossauro numa oficina de relojoeiro suíço.
Agora estariam para sair do forno definições de normas para a supervisão de agências de "rating" (classificação de riscos) pela "Securities and Exchange Comission" (a SEC, ou Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, que fiscaliza os mercados de capitais).
Também na semana passada o "Bank for International Settlements" (BIS, Banco de Compensações Internacionais), considerado o banco central dos bancos centrais) lançou uma grave advertência. Os bancos comerciais dos mercados globais não estariam tomando as devidas providências para avaliar os riscos de suas operações cambiais (US$ 1,2 trilhão por dia).
A gravidade do alerta é compreensível. Segundo o BIS, o tamanho das posições expostas a riscos cambiais pode em alguns casos ser suficiente para quebrar um banco. Exemplos: BCCI, Drexel Burnham e Barings.
E mais, o BIS recomenda que os custos de melhorar o sistema de compensações sejam assumidos pelos bancos comerciais, que deveriam abandonar a hipótese cômoda de que certos bancos são grandes demais para quebrar.
Mas tudo isso nada tem a ver com os riscos do Brasil. Ou tem?

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