São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brava gente triste

LUÍS NASSIF

Por onde se olha o país, vêem-se duas realidades distintas.
Quem viaja pelo país colhe, a cada quilômetro, provas latentes de que a nação está mais viva do que nunca, criativa, inovadora, buscando suas próprias saídas.
A cada dia que passa, mais e mais cidades, regiões e setores aprendem a andar com as próprias pernas, a redescobrir a ética do trabalho, os valores sagrados da luta e da resistência diária.
No entanto, mesmo caminhando rumo à modernização, o país está cabisbaixo. Por onde se ande, há um baixo-astral latente. A brava gente brasileira está triste.
Os desavisados poderiam pensar que a causa é a grande crise que se abateu sobre os pequenos e médios, com a irresponsável política de juros implementada no ano passado, trazendo inutilmente desemprego e desolação.
É apenas parte das razões. O país tem tradição de resistência. Afinal, conseguiu manter a garra, mesmo suportando três séculos de um dos piores modelos institucionais do globo.
O que está derrubando o país é a desesperança, alimentada pelos episódios das últimas semanas.
Da serra gaúcha à mata amazônica, há a vontade latente de acreditar.
Mesmo as duras pancadas levadas no ano passado eram suportadas melhor ante a confiança de que as reformas caminhariam, mostrando a saída mais adiante.
De repente, nas últimas semanas, parece que as chamadas classes dirigentes perderam completamente o foco do país.
O país inteiro aguarda a retomada do desenvolvimento, enfrentando a contagem regressiva de juros que progressivamente o asfixia. Em Brasília, a superficialidade floresce em todas as suas formas.
Em São Carlos (SP), a comunidade científica reuniu-se com os clubes de serviço e ambos montaram um parque tecnológico destinado a aproximar a universidade do mercado. Até protótipo de avião está saindo de seus laboratórios.
Em Brasília, o presidente da República atrasa o processo de reformas apenas porque não resiste a um dito chistoso contra o presidente do Senado.
No Paraná, mais de cem cidades construíram clubes de investimento municipal, juntando poupança da cidade para aplicar em seus próprios projetos enquanto aguardam a retomada do desenvolvimento.
Em Brasília, o presidente do Senado é capaz de armar uma bomba de alto teor porque -como explicou à imprensa- foi destratado por amigos do presidente.
No Rio Grande do Sul, o governo estadual implantou programa de qualidade no setor público, com alguns departamentos conquistando o ISO-9000, e se prepara para estimular a formação de fundos de investimento municipal em todo o Estado.
Em Brasília, o ex-ministro da Fazenda é capaz de ligar para o presidente do Senado para fofocar que as declarações contra ele, da parte do governador do Ceará, foram estimuladas pelo presidente da República.
Um pequeno intrigante e, no entanto, habilitando-se a entrar na lista de presidenciáveis.
Nos últimos anos, as multinacionais instaladas no país se transformaram nas melhores filiais mundiais dos respectivos grupos. E os trabalhadores brasileiros demonstraram ser os mais competentes do mundo -em ambientes modernos, que saibam aproveitar seu potencial de criatividade.
Uma plêiade de grandes homens públicos, sem mandatos políticos, está encontrando espaço para disseminar pelo país as bandeiras da modernização e da eficiência.
Mas a grande mídia está mais preocupada em recolher a última frase pitoresca e em alimentar a última pequena intriga da corte.

Texto Anterior: Classificar risco também é arriscado
Próximo Texto: Nova TR não evitará saques, diz Abecip
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.