São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Padecer no paraíso

ROGERIO SCHLEGEL
DA REPORTAGEM LOCAL

Ser vip é padecer no paraíso. Explico: não existe um vip igual ao outro e, infelizmente, alguns são mais vips que outros. Digamos que há os vipões, os vips e os vipinhos.
A hierarquia no autódromo de Interlagos começa pela altitude. Os vipões ficam nos camarotes sobre os boxes, de frente para a reta de largada, com visão de todo o circuito.
O capricho se nota na cobertura de lona: não tem emenda e garante um vipão sequinho, sequinho faça chuva ou faça sol. Parece uma laje.
Numa parte mais baixa do terreno, vêm os simplesmente vips. Se chover, vai sobrar pingo. A cobertura de lona tem emendas e um terraço escancarado. Ainda mais abaixo, e com uma visão menor, fica o terceiro grupo. Também embaixo da lona. Também composto por candidatos a guarda-chuva.
Cadê a Galisteu?
Instalo-me entre os vipinhos para ver como é. Afinal, não tenho do que reclamar.
Sou sucessor do repórter-mecânico que sujou a mão de graxa e varreu os boxes da Jordan, em 94. Depois, veio o repórter-fiscal, que passou frio e fome abandonado em uma curva do circuito, no ano passado.
No mundo das celebridades, tudo é lucro. No camarote, muitos sanduichinhos, muita cerveja, sorvete à vontade, frutas e iogurtes até cansar. E só.
Cadê o uísque 12 anos? Onde está a Galisteu? E aquele povo todo da televisão? Não vai ter prato quente? "Prato quente só domingo", avisa o garçom, envergando um irônico uniforme do The Place.
Decido ir ao banheiro. Ocupado. Logo sai de lá um funcionário da organização. Eles têm acesso ao mesmo toalete.
Se eu fosse o Nacional, diria que minha parte ruim pensou na hora: "Disgusting!". Sou só um repórter fingindo de vip e aplaudi a democracia sanitária.
O encontro
Paro para ouvir a inveja no ar. "Lá em cima o pessoal toma uísque", esperneia o rapaz do lado, olhando a latinha vazia.
"O pessoal mais famoso deve estar todo ali na torre", suspira uma desconsolada. Deve haver gente aqui achando que vai ficar malvista.
Posso até imaginar o encontro. O vipinho: "Estou na lona". O vipão: "Que isso? Todo mundo tem altos e baixos na vida". O vipinho, indignado: "Não, quero dizer que estou nos camarotes lá de baixo".

Texto Anterior: Carro de papel também ganha patrocínio
Próximo Texto: Indy ameaça F-1 no gosto do paulistano
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.