São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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O pioneiro da aventura modernista

Warchavchik mudou a cara da arquitetura no Brasil

VICTOR AGOSTINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Era uma vez um jovem arquiteto judeu-russo com uns 26 anos que estagiava no escritório de Marcello Piacentini, em Roma, e estava entediado com essa situação. Não se sabe ao certo o por quê, o jovem botou na cabeça que iria se mudar para o Brasil e tentar nova vida nos trópicos. Recolheu entre os amigos e ex-chefes italianos, com quem tinha trabalhado por curtos períodos, sete cartas de recomendação e embarcou. O ano: 1923.
Gregori Warchavchik, nascido em 1896 e morto em 1974, mudou a cara da empoeirada arquitetura que se fazia no Brasil nos anos 20. Warchavchik, que veio morar em São Paulo, introduziu no país uma arquitetura racional, voltada para a industrialização, para a produção em escala. Uma arquitetura desprovida de adereços e penduricalhos; um desenho que não era cópia do que se fazia na Europa daquela época.
Warchavchik lançou por aqui as bases teóricas da arquitetura modernista, então sem dogmas, ou, como preferiam dizer na época, conceituou a arquitetura "contemporânea" no "movimento futurista". É verdade que quando chegou a São Paulo já existia entre os jovens intelectuais e artistas um certo clima de efervescência, criado, principalmente, pela ruidosa e malvista Semana de Arte Moderna de 22. O campo, portanto, era fértil para novas idéias -e Warchavchik tinha muitas delas.
Em 1925, no entanto, jogou sua grande cartada. Lançou, em novembro daquele ano, o manifesto "Acerca da Arquitetura Moderna". "Construir uma casa a mais barata possível, eis o que deve preocupar o arquiteto construtor da nossa época de pequeno capitalismo, onde a questão da economia predomina sobre todas as demais", escreveu Warchavchik.
Sobre a estética da nova arquitetura, propôs: "Abaixo as decorações absurdas e viva a construção lógica, eis a divisa a ser adotada pelo arquiteto moderno".
Bem, o escritório de Warchavchik desenvolveu mais de 500 projetos desde a publicação do manifesto. O número exato ninguém sabe, nem a família, que guarda boa parte da documentação de um trabalho de quase 50 anos.
O manifesto abriu portas para o arquiteto, que começou a ser mais aceito nos redutos intelectuais, mais conhecido e até festejado. Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, entre outros, escreveram artigos simpáticos às idéias de Warchavchik.
Foi também a publicação do manifesto que o aproximou daquela que seria sua mulher, Mina Klabin, e, de certa forma, a financiadora de suas experiências "futuristas". A família de Mina, muito rica, era dona da indústria de papel Klabin, além de um bom tanto de imóveis.
A falta de dinheiro de Warchavchik não foi obstáculo para o casamento, que aconteceu em 1927, pouco antes da construção da casa da rua Santa Cruz, na Vila Mariana (zona sul). Foi nesta casa que Mina e Warchavchik foram morar. Foi nela também que os conceitos modernistas que tanto pregava tomaram forma: uma arquitetura limpa, fácil de construir, prática de morar, fácil de entender.
No terreno de 12,8 mil m2 da casa, Mina projetou um paisagismo às avessas de tudo que se fazia então. Fez um jardim tropical, introduzindo propositadamente cáctus como plantas ornamentais.
Como não participou da Semana de 22, Warchavchik criou a sua. Isso mesmo. Na inauguração de seu segundo projeto modernista em São Paulo, na rua Itápolis (Pacaembu), em 1930, promoveu um superexposição modernista. Convidou a fina flor dos modernistas. De Tarsila, Malfatti, Di Cavalcanti, Gomide, Brecheret e cia. a Menotti, Oswald e Mario. Enfim, "quase" todos os modernistas de então, como anunciavam os jornais.
Foi um sucesso. Entre 20 mil e 30 mil pessoas foram à exposição. A casa da rua Itápolis, também conhecida como Casa Modernista, além de expor as obras dos artistas, apresentava à sociedade paulistana um projeto acabado de mobiliário moderno, projetado por Warchavchik. Os jardins, de novo projetados por Mina, jogavam mais acirradamente com a tropicalização, dando destaque, como se fossem esculturas, aos cáctus.
Depois do sucesso da Casa Modernista, as portas foram se abrindo ainda mais para Warchavchik, que não parou de publicar artigos em jornais e revistas. Ao ler um desses artigos, em 1931, na revista "Paratodos", Lucio Costa começou a conhecer Warchavchik. Encontraram-se e Costa convidou-o para dar aulas na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio. Warchavchik lecionou por cerca de seis meses lá. O staff getulista, não gostando das idéias difundidas por Lucio Costa na faculdade, acabou por demiti-lo. Por "solidariedade", Warchavchik também pediu as contas.
A visão de Costa e Warchavchik sobre arquitetura resultou na formação de um escritório. A sociedade durou dois anos, a partir de 1931. Uma curiosidade: estagiavam com eles os novatos Oscar Niemeyer e Burle Marx.
Em visita ao Brasil em 1936, para projetar o prédio do MEC, no Rio, Le Corbusier quis conhecer Warchavchik -não apenas o arquiteto, mas também seus projetos. Mina e Warchavchik levaram o visitante para conhecer pelo menos três projetos: a Casa Modernista, e as da rua Santa Cruz e da rua Bahia.
Desiludido com os problemas de impermeabilização, resultado de uma indústria que não desenvolvia novos materiais que evitassem infiltrações, Warchavchik voltou a construir casas usando tijolos no lugar do concreto armado (cimento armado). Isso aconteceu em uma série de casinhas feitas na Vila Mariana.
Pouco antes de morrer, em 1971, Warchavchik ainda manteve-se polêmico e indignado com o fato de uma casa demorar seis meses para ser construída "enquanto a Volkswagem do Brasil produz centenas de carros por dia". E argumentava: "O que é um carro, senão uma casa ambulante? Se a construção civil tivesse acompanhado o desenvolvimento do mundo, a montagem de uma casa média não poderia demorar mais que quatro horas. E, três anos depois, se o dono não estivesse feliz no lugar onde morasse, seria simples. Desmontava a casa e a levaria para onde quisesse".
Warchavchik defendia nessa época a utilização de casas infláveis, de plástico, que se manteriam cheias com o auxílio de pequenos compressores. Warchavchik acreditava que uma casa inflável ajudaria a vida das pessoas. "Se o dono sair de férias, leva a casa junto". Prático, não?

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