São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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O desbravador do novo estilo

CARLOS WARCHAVCHIK
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dentro do panorama da arquitetura moderna brasileira, coube a Gregori Warchavchik o papel de quem vem "trazer a notícia", e assim catalisar um processo que, se fatalmente viria de uma forma ou de outra, acabou chegando "em primeira mão".
Devido ao fato de o eixo gravitacional da vanguarda arquitetônica ter passado para o grupo carioca nos anos 30, numa confluência entre os "Cinco Pontos" de Le Corbusier e uma tradição local, mais identificada com o momento cultural e político do país, estabeleceu-se aí uma data-zero para a arquitetura moderna brasileira, do qual originou-se um debate estéril, que obscurece certos fatos mais interessantes sobre a obra de Warchavchik. De qualquer forma, Lucio Costa apesar de defender essa posição, mais tarde credita a Warchavchik o fato de tê-lo tirado do escuro, abrindo-lhe o caminho da "arquitetura contemporânea".
O fato é que, quando publicou aqui o seu "Manifesto" em 1925, e em 1928 concluiu a sua primeira casa "com o espírito moderno", a arquitetura moderna internacional, (a assim chamada "International Style"), apenas engatinhava. É interessante ressaltar que embora Warchavchik tenha saído da Itália em 1923, de alguma forma manteve-se em contato estreito com a vanguarda européia.
É irônico notar que Warchavchik tenha vindo dar aqui, disseminar uma arquitetura do "estilo novo", da era da indústria. As dificuldades e contradições foram inúmeras. Entretanto, pouco importa se na casa da rua Santa Cruz, hoje o "Parque Modernista", fez concessões ao formalismo, ao fazer um invólucro moderno numa estrutura tradicional; a mensagem estava dada. Ali não haveria resquícios da "velha ordem".
Aos poucos, Warchavchik montou uma equipe completa, com artesãos "importados", buscando um ambiente moderno, que conviesse ao "espírito do tempo" e que ia do mobiliário ao paisagismo (realizado por sua mulher).
Com relação ao emprego de uma linguagem mais próxima dos cariocas, Warchavchik naturalmente deve ter se confrontado com um dilema -"aderir" à nova linguagem, perdendo possivelmente a identidade, ou continuar no seu caminho, correndo o risco de ver-se ultrapassado.
Warchavchik era partidário dos ideais modernistas, no seu momento talvez mais radical, depositando uma total esperança nas possibilidades oferecidas pela tecnologia e na busca de uma linguagem que fosse fiel a esse tempo. Sua obsessão, diremos assim, continuou sendo a busca incessante de novos materiais de construção, como se este passo tecnológico fatalmente levasse a uma libertação, a um estágio superior da civilização.
Warchavchik queria uma arquitetura que pudesse ser industrializada, que ele chamava de "casa-máquina", (não confundir com o termo cunhado por Le Corbusier, "machine à habiter" que era outra história...). Não se conformava com a possibilidade de "a Volkswagen produzir 1.600 automóveis por dia", e o mesmo não ocorrer com a construção civil. Chegou até a vislumbrar, com sarcasmo (isso em 1972), e provavelmente baseado na construção de Brasília, quando tijolos eram levados até lá de avião, que a humanidade "levaria tijolos da terra para a Lua, ou Marte...". Mais ou menos por essa época, talvez já cansado da inoperância de suas convicções, provocou: "E digo mais -usar tijolos hoje em dia é um crime passível de fuzilamento!"
Warchavchik dizia perder o interesse num determinado ponto, quando este se tornava vitorioso, não mais "revolucionário". Estava portanto no espírito das vanguardas do século 20, buscando incessantemente a superação, o essencial, a eliminação de resíduos históricos, sem compromissos. Como exemplo deste espírito, temos uma, digamos provocação (seria talvez, simplesmente um chiste,) já no fim da vida, quando propôs que se procurasse construir "casas sem casas", ou seja, casas sem paredes, sem tetos, nas quais as "correntes de ar" fariam as vezes de paredes, tetos etc., na sua função de elementos de proteção ao mundo natural. Brasília, neste sentido, seria para ele uma cidade superada, porque ainda carrega consigo uma materialidade da qual Warchavchik já sentia a necessidade de se ver livre. Estava em sintonia com os tempos, se fizermos uma analogia com as artes plásticas: buscando se livrar do "peso" da história, da representação e da materialidade, encontrava-se, justamente por estas alturas, buscando a arte imaterial, conceitual.
O mais interessante na obra de Warchavchik, fora a questão de ter avançado alguns sinais e ter desenvolvido o debate em torno da questão do estilo, está na qualidade intrínseca dos seus projetos. Porque, se ele pregava uma arquitetura essencialmente funcional, com ênfase na construção, na técnica e nos materiais, o resultado concreto, contradizendo ou não suas idéias, é uma arquitetura dotada de uma humanidade, e de uma sensibilidade, que é, no fundo, o ponto central, e forte, de sua obra.

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