São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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Um poema atribuído a Shakespeare

OTÁVIO DIAS
DE LONDRES

Em 15 de janeiro de 1612, William Peter, um homem de 29 anos nascido em Devonshire, sul da Inglaterra, e educado na Universidade de Oxford, foi assassinado durante uma briga por causa de um cavalo, depois de um dia inteiro de bebedeira.
Algumas semanas mais tarde, Thomas Thorpe, um editor da região, publicou um livro chamado "Uma Elegia Fúnebre - Em Memória do Falecido Mestre Virtuoso William Peter de Whipton perto de Exeter". O autor foi identificado apenas por suas iniciais: W.S.
O poema, que continha 578 versos, foi esquecido durante séculos até que, há 12 anos, o doutorando em literatura inglesa Donald Foster, atualmente professor da Universidade de Vassar (EUA), deparou-se com suas duas únicas cópias ainda existentes, ambas pertencentes à Universidade de Oxford (Reino Unido).
A descoberta intrigou Foster: "Quem seria W.S., o autor da elegia?". A procura por uma resposta tornou-se então tema de seu doutorado.
50 autores
Nos anos que se seguiram, o professor dedicou-se a pesquisar as circunstâncias históricas que cercam o poema e realizou cuidadosa análise de sua estrutura métrica, rimas, sintaxe, vocabulário, ortografia e dicção.
Em 1989, o resultado de seu trabalho foi publicado no livro "Elegia por W.S.: Um Estudo em Atribuição" (Universidade de Delaware, EUA, 318 págs.).
No trabalho, Foster conclui que, embora houvesse cerca de 50 autores de poesia ou prosa com as iniciais apropriadas entre 1570 e 1630, apenas dois deles reuniam as características poéticas e as condições históricas para ser o misterioso W.S.
"Qual desses dois autores escreveu a elegia é algo que não posso dizer com certeza", afirmou Foster em 1989.
O principal motivo da dúvida reside no fato de Foster não ter conseguido encontrar evidências externas ao poema -como por exemplo a comprovação de laços de amizade entre um dos dois autores e William Peter ou seus familiares- que fizessem a balança pender em favor de Shakespeare ou de Strachey.
"Já que não pode ser provado de maneira definitiva que William Shakespeare e William Peter se conheceram, o argumento pela autoria de Shakespeare baseia-se principalmente na força das evidências internas ao poema", disse Foster, na ocasião.
Pelo computador
Em dezembro do ano passado, no entanto, em palestra proferida na reunião anual da Associação de Língua Moderna, em Chicago (EUA), o professor Foster surpreendeu todos, ao defender de maneira contundente a autoria de Shakespeare.
Sua recém-adquirida convicção é consequência de novas pesquisas realizadas nos últimos anos, dessa vez com auxílio de um programa de computador criado especialmente pelo professor e denominado Shaxicon.
O software permite a realização de uma análise rápida e precisa de grande quantidade de textos escritos no final da Idade Média e começo do Renascença, assim como uma comparação entre eles.
Ao verificar a utilização de uma série de palavras e construções linguísticas raras ou incomuns tanto na elegia fúnebre quanto em trabalhos realizados por Shakespeare na mesma época, Foster concluiu ser ele o autor do poema.
Seu novo argumento, que ainda aguarda divulgação mais ampla e detalhada, iniciou intensa polêmica entre os estudiosos de Shakespeare.
Em 26 de janeiro último, Stanley Wells, diretor do Instituto Shakespeare da Universidade de Birmingham (Reino Unido), refutou a tese em artigo publicado no prestigioso "The Times Literary Supplement".
A elegia, cujos versos revelam intensa afeição do poeta pelo morto, também renovou as especulações sobre a possível bissexualidade de Shakespeare, caso aceite-se a tese de sua autoria.
Em entrevistas concedidas à Folha (leia abaixo), os pesquisadores Donald Foster e Stanley Wells apresentam, respectivamente, seus argumentos a favor e contrários à existência da mão de William Shakespeare em "Uma Elegia Fúnebre".

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