São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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"Semelhanças não explicam a autoria"

OTÁVIO DIAS
DE LONDRES

Diretor do Instituto Shakespeare da Universidade de Birmingham, o professor Stanley Wells é um dos principais críticos da tese de que Shakespeare teria escrito "Uma Elegia Fúnebre".
Para ele, o poema deve ter sido escrito por um membro do círculo de poetas local, contratado pela família de William Peter para salvar sua reputação, abalada pelas circunstâncias de sua morte.
"A elegia me parece não só ruim como também tediosa", escreveu.
Segundo ele, estudiosos ficam obcecados ao tentar provar que Shakespeare é autor de determinada obra. "Isso é muito perigoso. Todos terminam loucos no final", disse Wells à Folha.
(OD)
*
Folha - Segundo Donald Foster, "Uma Elegia Fúnebre" guarda muitas semelhanças com a obra de Shakespeare. O sr. concorda?
Stanley Wells - Há semelhanças. Mas o que me pergunto é se as similaridades são suficientes para provar que ele a escreveu.
Folha - Quais são as similaridades?
Wells - Há certa ligeireza e leveza nas frases e também semelhanças na estrutura métrica. A elegia foi escrita em linhas de dez sílabas, assim como a maioria das peças de Shakespeare. Entretanto, muitos poetas desse período escreviam assim. Não era algo extraordinário ou fora do comum. O estilo das primeiras obras de Shakespeare é bastante semelhante ao desse poema. Porém, em 1612, ano em que a elegia foi escrita, seus versos já haviam se tornado mais livres e irregulares. Nesse ano, ele escreveu "A Tempestade", peça cujo estilo não tem nada que ver com a elegia.
Acho que a peça de Shakespeare que possui mais paralelos com o poema é "Ricardo 2º". Mas, em 1612, "Ricardo 2º" já havia sido publicada 23 vezes. Sustento que o autor tenha sido alguém que conhecia o trabalho de Shakespeare.
Folha - Ele teria imitado Shakespeare?
Wells - Não iria tão longe, a ponto de dizer que tenha tentado escrever como Shakespeare, mas sim que, tendo lido e gostado de algumas de suas peças, tenha incorporado certas técnicas e características. Quando se vive na mesma época, o mesmo vocabulário e o mesmo tipo de imagens são utilizadas por diversos escritores.
Há outro motivo que torna difícil aceitar a tese da autoria. No poema o autor refere-se duas vezes a si próprio como sendo um homem jovem. Em 1612, Shakespeare tinha 47 anos. Não creio que se consideraria jovem. Em seus "Sonetos", publicados três anos antes, ele descreve a si mesmo como "marcado por curtida antiguidade".
Folha - Em termos de qualidade, a elegia é comparável à obra de Shakespeare?
Wells - Não. Esse poema é desconexo, não tem estrutura definida. Percebe-se que o autor não tem claro, desde o início, qual será o formato do poema. Ele divaga nos elogios ao morto, sem nenhum sentido de formato artístico. Não se espera isso de Shakespeare.

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