São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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Guerra é religiosa e econômica, diz escritor

DANIELA FALCÃO
EM NOVA YORK

A guerra da Bósnia não é um conflito étnico, como a imprensa insiste em tratar a crise nos Bálcãs. A tese é do jornalista norte-americano Peter Maass, que se tornou um especialista na questão.
"É uma guerra religiosa e econômica, criada por políticos manipuladores, loucos mesmo, que conseguiram se aproveitar do momento de instabilidade por que passava a Iugoslávia durante a transição para o capitalismo para conquistar o poder e espalhar o ódio", afirmou Maass à Folha.
A afirmação de Maass contesta uma das verdades que costumavam ser encaradas como incontestáveis sobre a guerra na Bósnia.
Mas como é feita por um repórter que viveu no país nos anos mais violentos do conflito (1992 e 1993), merece ser analisada com atenção.
"As pessoas se enganam porque acham que muçulmanos, sérvios e croatas são de raças diferentes. Mas eles são todos eslavos que foram se separando ao longo do tempo por opções religiosas."
Maass explica sua tese em "Love Thy Neighbor - A Story of War" ("Ama Teu Vizinho - Uma História de Guerra"), recém-publicado nos EUA pela editora Alfred Knopf.
Maass foi correspondente estrangeiro de 1983 a 1995, sediado sobretudo na Ásia e na Europa.
Ele trabalhou nos principais jornais nos EUA, entre eles "The Washington Post" (onde está atualmente), "The New York Times" e "The Wall Street Journal".
"O que aconteceu na Bósnia não foi um show de anormalidade dos Bálcãs. Foi um processo violento de queda da unidade nacional. A dinâmica de medo e competição entre pessoas de origens diferentes -sejam étnicas, religiosas ou econômicas- é muito mais complicada do que se imagina", disse.
Perigo mundial Para Maass, crises violentas como a da Bósnia podem acontecer em qualquer país que esteja passando por dificuldades econômicas, transição política ou instabilidades morais.
"Esses problemas dão oportunidades a políticos manipuladores de trazer à tona o que há de pior no homem e que eu costumo chamar de diabo selvagem."
Embora se recuse a fazer premonições, Maass disse que não duvida que crises como a da Bósnia possam acontecer em outros países europeus ou africanos.
"Na verdade poderia ocorrer em qualquer lugar. Até nos Estados Unidos, embora a América seja o continente em que guerras étnicas ou religiosas tenham menos chances de acontecer."
Para exemplificar como os conflitos são imprevisíveis, Maass lembra que em 1984, quando Sarajevo foi sede das Olimpíadas de Inverno, ninguém imaginaria que, em menos de dez anos, o país estivesse imerso numa das guerras mais violentas do século.
"Se eu dissesse isso a um iugoslavo naquela época ele iria rir na minha cara, achando que eu estava bêbado."
Lamento yuppie
"Eu nasci e cresci em Los Angeles, a 15 minutos da calçada em que Nicole Simpson (ex-mulher do jogador de futebol americano O. J. Simpson) teve sua garganta cortada de uma ponta a outra. Não sei muito sobre o resto da América, mas Los Angeles está mudando. Hoje não dá para fazer jogging na praia sem ter que ficar desviando dos mendigos que dormem nas calçadas à beira-mar. Isso tudo não vai acabar bem."
Maass diz saber que suas afirmações podem parecer "lamentos de yuppie", mas diz que suas preocupações com o futuro dos Estados Unidos não são fruto de paranóia de guerra.
"Há conflitos raciais nos EUA hoje que são muito mais violentos do que qualquer crise que pudesse haver na Iugoslávia pouco antes da explosão do conflito. Como vivemos numa democracia, há menos riscos de que esses conflitos se transformem em algo mais sério, mas negar o risco é estupidez."
Diabo selvagem
O jornalista, que mora com a família em Takoma Park (Maryland), diz que decidiu escrever o livro enquanto ainda estava na Bósnia, mas que demorou muito tempo para conclui-lo porque não tinha certeza sobre quais assuntos priorizaria na hora de escrever suas memórias de guerra.
"Enquanto estava escrevendo, muitas pessoas me

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