São Paulo, domingo, 31 de março de 1996
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The Chairwoman

CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO

Christina Carvalho Pinto, principal executiva da Young & Rubicam, é a mulher número um da publicidade brasileira

"Christina é uma pessoa tão boa quanto a profissional."
Nizan Guanaes, DM9

"A Christina é uma mulher e uma profissional Young. Tanto no sentido jovem quanto no sentido Rubicam."
Frase do Washinton Olliveto

"Christina é uma pessoa sedutora -não porque o seu tai-chi-chuan é ótimo, mas porque ela sabe usá-lo com a graça, a leveza e a inteligência de seus movimentos. Christina merece o que tem -e eu fico feliz por ter sido seu amigo desde as primeiras teclas dela como redatora."
Roberto Duailibi, DPZ

Esta é a história de uma Maria Christina, que nasceu numa cidadezinha do interior de São Paulo e passou sua infância e adolescência dividida entre os livros da sua casa e as aulas de dança e de música.
De uma família "aristocrata, porém decadente" e sem muito dinheiro sobrando, quinta num grupo de seis filhos, sempre soube que teria que arrumar trabalho para se sustentar.
Sua vida poderia ter sido semelhante a de muitas Marias e outras tantas Christinas. Ela começou a entrar numa trilha que poderia levá-la a ser professora.
Poderia ter sido professora de música ou de dança. Chegou a dar aulas de violão quando era adolescente.
Ou poderia ter ido ensinar português. Ótima aluna da matéria, ela aprendeu a se beneficiar da facilidade com que escrevia. Passou a fazer redações nota dez que cedia para as colegas em troca de trabalhos manuais bem-feitos, já que ela sempre foi muito desajeitada.
Em vez de ser professora, antes mesmo dos 18 anos, saiu da pequena Dois Córregos e entrou para o mundo da propaganda, não como modelo publicitário, como muita gente sugeriu naquela época. Foi contratada por uma agência para escrever anúncios.
Superexecutiva
Menos de 25 anos depois, Christina Carvalho Pinto é, aos 42 anos, uma das personagens mais importantes do mercado publicitário brasileiro. Dirige um grupo de empresas que no Brasil faturou US$ 165 milhões no ano passado, algo semelhante ao total das vendas de uma companhia como a Colgate-Palmolive.
O nome oficial do seu cargo é chairman (deveria ser chairwoman, não?) da Young & Rubicam do Brasil. Além disso, ela faz parte do board internacional do grupo Y&R, a única pessoa da América Latina nesse conselho de 18 pessoas que decide a estratégia dos 325 escritórios da corporação, instalados em 64 países.
Um presidente de agência de publicidade no Brasil ganha, em geral, de US$ 30 mil a US$ 35 mil por mês, mais participação nos lucros e "fringe benefits", como carro e viagens ao exterior.
Uma mulher poderosa no mundo dos negócios, ela se veste para trabalhar como se imagina que uma executiva com suas funções e salário se vista. Passa quase dois meses por ano fora do Brasil, a trabalho.
Mas, perguntem para Christina como ela explica seu sucesso.
"Ter sucesso não foi o objetivo da minha vida. Sou publicitária por acaso. Eu nasci para escrever. O que sempre procurei foi fazer tudo muito bem-feito, não só profissionalmente, mas em todos os aspectos da minha vida."
Tai-chi-chuan
Ela recorre aos ensinamentos da arte marcial de origem chinesa tai-chi-chuan para se explicar.
"Meu mestre de tai-chi-chuan (com quem ela esteve casada e é o pai de dois dos seus filhos) me ensinou um provérbio chinês: 'Se você não quer ir, não vá; mas se você decide ir, vá com tudo.' Não existe um movimento pela metade. Eu procuro fazer tudo em que me envolvo de forma integral, inteira.
Se não tiver muita vontade de fazer alguma coisa, não faço. Mas quando faço, me envolvo totalmente."
Pensando e agindo desta forma, não é de surpreender que publicitários usem imagens fortes para descrever Christina. Um deles disse, por exemplo, que se fosse necessário andar a pé de São Paulo ao Rio para ganhar a conta de um cliente, Christina não pensaria duas vezes para começar a caminhada.
Ela acha curiosa a forma como a descrevem, mas concorda com o comentário e vai além.
"Não seria apenas por trabalho que eu iria a pé até o Rio. Por um filho, eu iria nadando até a França."
Essa determinação, obstinação mesmo, em fazer e acontecer, pode ser uma das explicações para seu sucesso, mas também guarda traços de certo autoritarismo, que alguns publicitários dizem que é um traço marcante da personalidade de Christina.
Guerreira, mas feminina
Ela não esconde nem nega esse seu lado guerreiro, determinado, até teimoso. Mas, faz questão absoluta de chamar a atenção para a sua porção muito feminina.
"Fico muito chateada quando descrevem apenas o meu lado guerreiro. Não me reconheço quando enfatizam apenas as características de alguém batalhador e determinado. Não sei de que bicho estão falando."
Meio escondida pela capa de superexecutiva, publicitária de sucesso, existe, então, uma Christina frágil?
Diferentemente de muita gente de sucesso, ela não se importa de mostrar essa fragilidade. "Sou uma pessoa frágil, muito emotiva. Choro com facilidade", diz ela. Outro dia, por exemplo, reviu o filme "Noites de Cabíria", de Federico Fellini e chorou o tempo inteiro.
Ela acredita que o fato de não ter perdido certas características muito femininas foi fundamental na sua carreira.
"O que me diferencia profissionalmente é que, apesar da minha fachada de guerreira, não perdi as características mais primitivas da feminilidade, como a flexibilidade, a capacidade de conciliar, a afetividade."
Além disso, ela acha que por ser mulher é, de certa forma, mais ousada profissionalmente. "Não tenho medo de errar, não tenho medo de tentar, não tenho medo do desconhecido."
Machismo
Christina teve que enfrentar o inevitável machismo do mundo dos negócios quando começou sua carreira. Muitos publicitários achavam -e falavam para ela- que ela se daria muito melhor posando para anúncios do que escrevendo os textos das campanhas publicitárias.
Um deles chegou a comentar que ela escrevia como uma mulher feia. Explicação: mulher bonita não escreve bem.
Embora o mercado publicitário seja à primeira vista muito mais aberto à participação e à ascensão das mulheres do que outros setores econômicos, ainda se contam nos dedos de duas mãos o número de publicitárias que ocupam cargos realmente importantes nas agências de propaganda, no Brasil.
Para subir profissionalmente, Christina venceu essas barreiras machistas, mas também teve que transpor os obstáculos que ela mesmo levantou, internos. "Por natureza, sou introspectiva. Passaria a vida toda escrevendo e fazendo música, trancada num quarto."
Aliás, é isso o que ela às vezes faz quando tem uma manhã ou uma tarde livres numa viagem ao exterior -se tranca no quarto do hotel e não faz nada. Fica quieta, lendo ou ouvindo música.
Ela diz que foi obrigada "pelo destino" a aprender sobre as pessoas, sobre o mundo. Mas não lamenta a vida que leva. Se tivesse vivido a vida que imagina que teria quando era adolescente, não teria aprendido "nem 2%" do que aprendeu ao exercer uma profissão que a coloca em contato com dezenas de pessoas, todos os dias.
Hoje, Christina enfrenta também novos desafios. Na esfera profissional, por ter assumido no final do ano passado um novo cargo, com funções que são basicamente administrativas. Ela gerencia o trabalho de 250 funcionários (180 deles mulheres) distribuídos nas quatro empresas controladas pelo grupo Young & Rubicam no Brasil.
Mais um livro
Na vida pessoal, uma mudança importante é ter voltado a escrever ficção, em casa. Depois de anos sem escrever, muito absorvida pelas funções e preocupações próprias de mãe, Christina voltou a sentir a compulsão de escrever. Quando sente essa sede de escrever (ou de estudar música ou de trabalhar), arranja tempo e energia necessários.
De certa forma, é uma volta aos tempos da Christina de Dois Córregos, que também passava madrugadas escrevendo, lendo ou estudando música. Durante certo tempo, ela estudou piano das 4h às 7h da manhã, com abafador, para não acordar ninguém.
A diferença mais visível em relação aos tempos de adolescência é o computador. Christina resistiu muito tempo à idéia de usar um computador para escrever. Dirigente de um grupo que investe milhões de dólares anualmente em informática, até recentemente ela só escrevia numa antiga máquina Olivetti Ipanema, que continua, aliás, na sua mesa no escritório.
Ela só abandonou a máquina de escrever graças à persistência de um dos filhos, que gastou parte das férias ensinando a mãe como usar o computador.
Mudou a ferramenta para escrever mas não mudou o sentimento que a domina quando está escrevendo.
Ela diz que não precisa da projeção nem do dinheiro que escrever um livro eventualmente lhe traria. A profissão de publicitária já lhe deu prestígio e recursos.
Além disso, "ninguém precisa de mais um livro".
Hoje, ela escreve para cumprir o papel para o qual acha que nasceu.

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