São Paulo, quarta-feira, 3 de abril de 1996
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Caruaru: a tragédia da diálise

MARCO AKERMAN

A imprensa vem noticiando nas duas últimas semanas a tragédia do Instituto de Doenças Renais (IDR) de Caruaru, onde, desde 21 de fevereiro de 96, já faleceram 30 pacientes que ali se submetiam a tratamento dialítico. Especula-se sobre várias causas, mas nada foi confirmado. É provável que, na história recente, nenhum outro caso, com tal escala industrial, tenha ocorrido, fazendo desse um caso isolado. Isso, no entanto, não exime o IDR de ser submetido a rigorosa apuração das causas e a punição dos responsáveis.
Entretanto, à luz desse triste episódio, gostaria de aproveitar a oportunidade, não para fazer uma denúncia irresponsável, mas para refletirmos juntos -governo, pacientes, prestadores e técnicos, sobre o fato de que muitas unidades de diálise no país correm risco semelhantes. Talvez, não na mesma escala de Caruaru, mas no mesmo nível de perplexidade, descontrole e impossibilidade de conter a escalada de mortes experimentadas por aqueles envolvidos na tragédia pernambucana.
"Surpresas" como essas acontecem, não apenas devido ao sucateamento do parque de máquinas de diálise, inadequação de dependências e instalações, despreparo de profissionais, desconsideração de normas consagradas, mercantilização da prática médica etc., mas também pela ausência, típica da cultura médica assistencial, de processos de avaliação sistemática dos procedimentos clínicos efetuados. E aqui não me refiro às tradicionais auditorias externas, mas a mecanismos diuturnos de avaliação contínua que "possam fornecer proteção sob a forma de avisos antecipados e que favoreçam a condução de ações corretivas antes de desastres ocorrerem".
Isso não é fácil, pois haveria necessidade de uma "boa mexida" na cultura médica, que teria que desviar um pouco seu olhar, tradicionalmente clínico e individual, para o processo de produção do cuidado como um todo. Aos órgãos públicos de saúde caberiam desencadear o processo, por meio de treinamentos de prestadores para tal tipo de avaliação, condicionando o credenciamento de Unidades de Diálise à apresentação de projetos que proponham tal linha de abordagem.
Sugeriria que a CPI que ora se instala no Estado de Pernambuco para apurar o episódio, não se volte apenas para esse caso, mas que se transforme num instrumento de convencimento nacional para que se implante em todas as unidades de diálise do Brasil mecanismos "sentinela", que possam emitir sinais de alerta para que se evite outras catástrofes.

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