São Paulo, quarta-feira, 3 de abril de 1996
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Doze meses de insensatez

LUÍS NASSIF

Há 12 meses, em abril do ano passado, a coluna começou a alertar para o desastre que a equipe econômica estava produzindo, com a mistura mortal de juros estratosféricos, absoluta carência de crédito e taxa de câmbio irrealista.
A coluna, que abomina o catastrofismo, pediu desculpas e previu catástrofe, se tal política fosse mantida. Entre outros, alertou para o seguinte:
1) As taxas de juros iriam quebrar o setor público.
Um ano depois, a dívida mobiliária saltou para mais de US$ 100 bilhões, sem contar as dívidas estaduais, o rombo do Fundo de Compensação das Variações Salariais e dos contratos públicos em geral.
A não ser em alguns desastres imprevistos -como a quebra dos créditos imobiliários norte-americanos ou situações de guerra- provavelmente foi o maior aumento no endividamento público em toda história da economia mundial, em termos absolutos e relativos.
2) Com a manutenção dessa política seriam batidos os recordes de inadimplência do Cruzado 2.
Posteriormente, em fins do ano passado, a coluna voltou a alertar que, se o governo não tratasse adequada e rapidamente do endividamento circular da economia, a quebradeira de maio passado seria pinto perto do que viria pela frente.
Os jornais desta semana revelam números recordistas de inadimplência, desemprego, concordatas e falência no mês de março.
3) Na ocasião, alguns jornalistas sustentaram que a economia continuaria marchando pujantemente, e que as reclamações partiam de lobbies de poderosos, reunidos em torno da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
A coluna insistiu que a política monetária estava beneficiando os ricos (que têm dinheiro para aplicar ou capacidade de buscar dólares no exterior) em detrimento dos pequenos.
Esta semana a empresa Austin e Associados completou os estudos sobre balanços de grandes conglomerados, concluindo que, no ano passado, houve expressivo aumento de suas receitas financeiras -mais até do que dos próprios lucros operacionais.
4) A coluna alertou que o engessamento do câmbio estava comprometendo o crescimento das exportações de manufaturados.
Colegas mais sofisticados insistiram em que a análise da taxa efetiva de câmbio demonstrava amplo espaço para recuperação das exportações.
Dados fechados do ano passado indicam que o pequeno superávit só se manteve por uma circunstância conjuntural de aumento de preços das commodities no mercado internacional. As exportações de manufaturados estão em xeque.
5) Algumas autoridades econômicas insistiram em que os alertas contra os juros partiam das viúvas da inflação.
A coluna rebatia que o tratamento correto parte não só de um diagnóstico correto (no caso, a necessidade de reduzir o nível de atividade econômica, por meio da restrição do crédito), mas também de uma posologia correta (o nível adequado para os juros e o crédito).
Ao superexagerar na dosagem, o tratamento falhou, criando uma dose de sacrifício inusitada e inútil.
Nove entre dez economistas apontam o excesso de juros como o pior erro cometido na condução do Real.
6) Durante dois meses, jornalistas instruídos por membros da equipe econômica insistiram em garimpar estatísticas para demonstrar que os alertas eram falsos.
A coluna insistiu em que as estatísticas refletiam a realidade com defasagem -especialmente em momentos em que ocorre inversão tão intensa no cenário econômico. Os números estão aí, para quem sabe ler.
Mea e sua culpa
Durante algum tempo, o colunista defendeu sozinho essas teses.
Se estivesse errado, melhor para o país, mas pagaria o pato. Seria apontado como catastrofista e (como é de seu feitio) teria feito uma autocrítica pública, admitindo os erros de análise e de previsão.
E como ficam os que apostaram na tese contrária, chegando ao excesso de apontar as análises como fruto de lobbies da FIESP?
Diz-se que o jornal de ontem só serve para embrulhar carne. Não deveria. A falta de cobrança a posteriori é um estímulo à irresponsabilidade.
Escreve-se sem domínio da matéria, revestem-se impropriedades com a liturgia que acompanha toda palavra impressa. Se não der, confia-se na falta de memória pública.
Um ano depois, com o desastre estampado em todos os jornais, um mínimo de autocrítica faria bem a jornalistas e ao jornalismo. E uma análise isenta -por parte do ombudsman- ajudaria a tirar inúmeras lições preciosas do episódio, em favor do amadurecimento do jornalismo atual.

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