São Paulo, quarta-feira, 3 de abril de 1996
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Câmera de Singleton atira para matar

EDSON FRANCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Bem que o diretor John Singleton tentou fazer filmes recheados de meios-tons, mas "Duro Aprendizado" é a prova cabal de que ele se dá bem mesmo quando lida com cores fortes.
Em seu trabalho anterior, "Sem Medo no Coração", Singleton procurou criar uma atmosfera poética e sutil. No final, o filme só serviu de veículo para a (mediana) estréia de Janet Jackson no cinema.
Há poesia em "Duro Aprendizado". Mas, nesse caso, os versos são crus, rústicos, diretos.
Nota-se em Singleton o talento para dilapidar a realidade e, com os cacos, montar um quadro coerente (na maior parte do tempo) e contundente (nas conclusões).
Foi assim no poderoso drama "Boyz N The Hood", que Singleton rodou em 1991, quando tinha apenas 23 anos.
Nesse filme, ele se contentou apenas em cutucar uma ferida latente ao registrar a vida dos negros no violento bairro de South Central, em Los Angeles.
Em "Duro Aprendizado", ele criou a sua realidade. E fez de uma universidade fictícia o palco de uma fábula de poucas alegorias.
Roteiro
Batizada de Columbus University, a instituição abriga em seu campus grupos (que se revelam guetos) de negros, asiáticos, judeus, latinos e wasps (brancos, anglo-saxões e protestantes).
Para potencializar os conflitos, o diretor leva ao paroxismo as características de três personagens, todos calouros na universidade.
O primeiro é um estudante negro que é obrigado a correr para garantir sua bolsa de estudos. Ele se acha o ser mais injustiçado do mundo por isso, o que serve de desculpas para a preguiça.
Uma bela estudante loira, que morava perto da Disneylândia, experimenta no campus coisas como lesbianismo, estupro, álcool e racismo. Enfim, assuntos pouco caros aos personagens Disney.
O último desses personagens é um caipira do Estado de Idaho que, para se tornar um "macho", apanhava do pai quando criança. Acaba se engraçando com uma trupe de neonazistas.
Todos precisam passar pelo duro aprendizado indicado pelo título do filme.
E essa é uma lição que não é ministrada em sala de aula. Ou melhor, acontece apenas nas aulas do professor Maurice Phipps -mais uma interpretação soberba de Laurence Fishburne.
Pintado com as cores de Singleton, o estudante americano médio, apesar de aplicado, é um mero receptor e emissor de informações prontas, acabadas, lógicas.
Então, o professor Fishburne lhes ensina que estão naquela universidade para aprender a pensar. Pelo desenrolar da trama, poucos seriam aprovados nessa matéria.
E como em campus de cego quem repete vários anos é rei, o líder de gangue Fudge acaba posando de orientador nas teses da vida.
Esse personagem é vivido pelo rapper Ice Cube, que, de tanto interpretar líderes de gangue, chegou ao seu melhor papel no cinema.
No front oposto ao de Fudge, há um líder neonazista que também pensa e, por isso, é perigosíssimo.
Equilibrando-se no fio da navalha, a situação no campus entra em um crescendo -muito bem administrado por Singleton- que está sempre prestes a ebulir.
Como um dos maiores representantes da boa safra de cineastas negros, em poucas cenas de "Duro Aprendizado" o diretor deixa de resistir à tentação pelo panfletário.
Numa desses poucos momentos, um criminoso branco escapa, enquanto a polícia fica batendo no estudante negro que o perseguia.
Em geral, Singleton joga lenha em todas as fogueiras, e nenhum de seus personagens escapa sem se chamuscar. Sua câmera atira para matar, nunca para ferir.

Vídeo: Duro Aprendizado (Higher Learning, EUA, 1995) Direção: John Singleton Elenco: Laurence Fishburne, Ice Cube, Omar Epps, Kristy Swanson e Michael Rapaport Distribuição: LK-Tel (tel. 011/825-5766)

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