São Paulo, quarta-feira, 3 de abril de 1996
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ANIMAL POLÍTICO

O presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o projeto de lei que anistiava os petroleiros das multas aplicadas aos sindicatos pela greve de maio de 1995 sob a justificativa de que o diploma legitimaria "a insurreição das entidades sindicais contra a decisão do TST". Acrescentou ainda que a anistia representaria uma ingerência indevida do Legislativo e do Executivo sobre o Judiciário.
O primeiro argumento parece proceder. O país já cansou de assistir a greves consideradas abusivas pelo Judiciário sem que depois ninguém sofresse sanção alguma pelos inúmeros transtornos causados à população. Se os sindicatos descumpriram sentença da máxima autoridade da Justiça trabalhista do país cientes de que estavam sujeitos às multas, devem responder pelo ônus da decisão.
Ao brandir o segundo argumento, contudo, o governo federal pisa sobre ovos. Se a aprovação de uma nova lei fere a independência do Judiciário, por que então o presidente sancionou de pronto a tão vergonhosa anistia ao senador Humberto Lucena, um caso jurídico essencialmente análogo ao dos petroleiros?
É evidente que os erros do passado não justificam os do presente, e seria ridículo cobrar coerência no erro. Ocorre, porém, que a instituição da anistia é -apesar de no mérito ambos os casos serem injustificáveis- um instrumento legítimo à disposição dos poderes Legislativo e Executivo para, não anular uma decisão do Judiciário, mas simplesmente para suspender uma pena, sem ferir independência de nenhuma instituição.
Certa vez Aristóteles afirmou que o homem é um animal político. O comportamento de Fernando Henrique parece confirmar a tese do Estagirita. Quando é de seu interesse político, a interpretação dos conceitos é uma; quando não, é outra.

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