São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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O projeto da corrupção

JANIO DE FREITAS

Escondido entre os numerosos tópicos do projeto que deveria cuidar de reforma admi istrativa, está o mais baixo, audacioso e violento golpe já intentado contra a moralidade administrativa: a extinção da obrigatoriedade constitucional de concorrências públicas para obras, compras, vendas e serviços contratados por qualquer empresa controlada pelo Estado, quer dizer, pelo governo.
Mesmo com a obrigatoriedade constitucional e a existência, ainda, de uma lei específica para as licitações, os escândalos motivados pelas concorrências em ministérios e estatais incluíram o Brasil, em recente levantamento internacional, entre os cinco países mais corruptos no mundo. Não é necessário fazer considerações sobre o que acontecerá nas compras multibilionárias feitas pelas estatais, nas obras gigantes que elas contratam. Pense só, não é preciso mais do que isso, nas compras e obras da Petrobrás e da Eletrobrás.
O contrabando foi introduzido na proposta de reforma administrativa pela convergência dos objetivos do ministro Bresser Pereira, autor do projeto mandado ao Congresso pelo governo, e do deputado Moreira Franco, incumbido de reelaborar o projeto já com as modificações propostas na comissão que o submeteu, na Câmara, ao primeiro exame. O contrabando fez parte dos acordos entre os dois e logo depois aprovados, todos, por Fernando Henrique Cardoso.
Ao tomar posse na Secretaria de Administração, Bresser Pereira mostrou-se logo obcecado por dois objetivos. Contrários, ambos, ao programa de governo publicado por Fernando Henrique, porém jamais recusados por ele desde que Bresser Pereira os divulgou. O primeiro é a demissão de funcionários civis, o outro era dado como "alterações na lei de concorrências para agilizar a administração".
As alterações tornaram-se extinção escamoteada, nem uma vez mencionada por Bresser Pereira nas referências aos seus acordos com Moreira Franco para o novo texto do projeto. Qualquer que seja o valor desse pormenor, não custa lembrar que Bresser Pereira foi o tesoureiro oficial da campanha de Fernando Henrique, com todas as responsabilidades passadas, presentes e futuras daí decorrentes.
O governo de Moreira Franco, sem dúvida o mais abandidado de tantos que já assaltaram o Estado do Rio, foi uma explosão incessante de escândalos de todo tipo. Aqui na Folha, com revelações antecipadas dos resultados de grandes concorrências, impediu-se que os cofres do Estado fossem furtados, no conluio entre gente do governo e as empreiteiras de sempre, em vários bilhões de dólares. São muito estreitos os laços que ligam Moreira Franco aos empreiteiros fraudadores, assim como a grandes fornecedores capazes de tudo.
Feitos os acordos com Bresser Pereira, Moreira Franco temeu que seu interlocutor não pudesse, depois, sustentar o combinado. Quis, por isso, submeter a Fernando Henrique o teor de todos os acordos, o que foi feito na audiência que os jornais registraram, há três semanas, até com fotos. Fernando Henrique aprovou tudo, inclusive, portanto, a extinção das concorrências.
O texto com esta audácia fantástica começará a tramitar, com sua leitura oficial na comissão técnica, nesta semana, provavelmente na terça-feira.

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