São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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A praça é deles, e a conta é nossa

GILBERTO DIMENSTEIN

Um teste em Washington Square, conhecida praça de Nova York, mostra como é inútil, caro e cruel reprimir as drogas -e, nesse caso em particular, até engraçado.
No final da tarde de terça-feira, a Washington Square (um terço da Praça da República em São Paulo), contabilizava três carros de polícia e 11 policiais, misturados aos transeuntes.
Na semana anterior, a polícia anunciou que iria endurecer o jogo, prendendo traficantes e consumidores. Obviamente, um dos pontos mais visados só poderia ser aquele espaço, encravado na Universidade de Nova York e cenário do filme "Kids", sobre delinquência juvenil.
Acompanhado da repórter Patrícia Decia e do fotógrafo João Carlos Volotão, cronometramos para saber em quanto tempo seríamos assediados por traficantes, apesar daquela multidão de policiais.
Não se passaram 60 segundos para a primeira oferta. Por todos os lugares que andávamos, alguém oferecia. Ficamos mais duas horas por ali e vimos como estudantes conseguiam drogas, descontraídos como se comprassem um refrigerante.
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Um dos traficantes mostrou até uma inusitada sofisticação de marketing. Ao andar, espalhava bolhas de sabão. Se percebia que não havia chance de vender drogas, oferecia poesia recitada, de improviso. O cliente podia escolher o tema.
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Mas o vício e a guerra contra as drogas não são divertidos nem, muito menos, poéticos. Os números não cansam de mostrar que a repressão hoje é mais problema do que solução.
O Centro de Abusos de Drogas da Universidade de Columbia passou os últimos dois anos investigando o custo do vício em Nova York, levando em conta tratamento, prevenção, repressão e efeitos na economia (menor produtividade da mão-de-obra ou absenteísmo, por exemplo).
Dá uma conta anual de US$ 7 bilhões; a maior fatia consumida pela repressão.
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Apenas no ano passado, a polícia prendeu na cidade 90 mil pessoas, um estádio lotado do Morumbi, por causa das drogas -três em cada dez detenções são motivadas por heroína, cocaína ou maconha.
Não se vê o resultado. Ao contrário: estudo da Columbia informa que, apesar de todo esse esforço, aumenta o consumo de drogas entre estudantes; 50% dos alunos do 2º grau usam algum tipo de droga.
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Se nos Estados Unidos, com todo o aparelhamento policial, a repressão já não funciona, imagine, então, no Brasil -onde, não raro, o crime organizado é protegido por policiais. Aí, como aqui, só a educação consegue reduzir o alto preço que a sociedade paga pelas drogas.
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Por isso, foi uma excelente notícia a coleção de livros didáticos sobre drogas elaborados por escolas particulares de São Paulo, a serem adotados em sala de aula.
Poderiam também adotar projetos como o desenvolvido pela Universidade Stanford, que criou currículo de Ciências para escolas de 2º grau usando as drogas. É tido como um dos projetos modelo nos Estados Unidos no ensino de Biologia.
Os alunos vêem pelo microscópio, por exemplo, como um camarão reage à cocaína.
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O debate sobre reeleição presidencial mostra um lado mesquinho da classe política brasileira, do qual não escapam o presidente Fernando Henrique Cardoso e seus assessores.
Nem vou discutir se a reeleição é justa ou não. O ponto que irrita, em particular, é ver como assuntos que interessam diretamente aos políticos conseguem velocidade gigantesca.
Leis que impedem o crescimento do país, a distribuição de renda e geração de empregos apressam muito menos o Congresso.
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Ao se empenhar diretamente para sua reeleição, Fernando Henrique Cardoso pode permanecer mais quatro anos no Palácio do Planalto, mas terá perdido um considerável naco de sua respeitabilidade.
Num país que não consegue entregar merenda escolar, os hospitais públicos dizimados, a economia está limitada em sua capacidade de expansão, reeleição deveria estar no último lugar da lista.
Vergonhosa a diferença entre o desempenho econômico e o social do governo federal.
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Fernando Henrique deu, até agora, uma ótima contribuição ao baixar a inflação e manter o crescimento. Colhe (justamente, diga-se) o reflexo dessa combinação, com a recepção popular da tese da reeleição.
Mas o efeito anestésico da inflação baixa, podem apostar, vai acabar. Daqui a pouco ninguém mais vai comemorar os preços estáveis.
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Incrível como o Palácio mexe com a estrutura emocional dos indivíduos. Até dos mais inteligentes e cultos.
Neste particular, sinto-me forçado a fazer um reconhecimento. Itamar Franco deu exemplo de como um homem público pode morar num palácio sem se perder de si mesmo.
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Dica aos consumidores que, como minha mulher, são "viciados" em liquidação de roupas. O jornal "The New York Times" de domingo passado publicou reportagem sobre as melhores liquidações da cidade. Impressiona: há descontos de até 90%.
Uma jaqueta de couro Ralph Lauren (US$ 1.500) sai por US$ 125; uma bolsa da mesma marca (US$ 379) por US$ 79. Um sapato do estilista Isaac Mizrahi (US$ 245) sai por US$ 60. Um cinto Paloma Picasso, de US$ 700 caiu para US$ 70. Quem quiser saber os endereços deve acessar a página do "NYT" na Internet.

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