São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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A preocupante dívida interna

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Em Nova York, no alto de um prédio bem no centro da cidade, há um grande relógio digital que registra, de segundo a segundo, o crescimento da dívida interna americana. A velocidade é espantosa. Os números não param de aumentar.
Observar aquela alucinante corrida, para mim, dá um frio na espinha. Afinal, uma eventual catástrofe da economia americana representaria o total desmoronamento da economia mundial. Mas, para a maioria das pessoas que por ali passam, o relógio parece ser motivo de diversão.
Na semana passada, ele registrou a marca de US$ 5 trilhões. Com isso, a dívida interna dos Estados Unidos passou a representar cerca de 80% do seu PIB (US$ 6 trilhões).
Na mesma semana, a nossa imprensa informou que a dívida interna do Brasil atingiu US$ 127 bilhões, 19% do PIB, estimado, controvertidamente, em US$ 650 bilhões.
Apesar da flagrante diferença, a nossa situação é pior. Sim, porque os Estados Unidos conseguem rolar a sua dívida na base de 5% ao ano enquanto o Brasil tem de pagar 25%.
E o mais grave é que, ultimamente, a dívida do Brasil cresceu muito na conta do principal. Em 1995, ela dobrou de tamanho -no auge do Plano Real.
Nesse quadro, não se pode esquecer o papel dos dólares especulativos que aqui entraram para usufruir dos juros que eles próprios ajudam a elevar.
Esse é o quadro. Nós com uma dívida de menos de 20% do PIB corremos um grande risco de descontrole, especialmente quando se considera que as pressões por mais endividamento não param de crescer. Basta olhar para a fila de bancos a socorrer e governos a acudir.
Isso tudo compromete seriamente a saúde do Plano Real -o que não é surpresa para ninguém, pois esse plano foi concebido para parar em pé com base nas reformas constitucionais que o Congresso Nacional reluta em aprovar.
Enquanto isso, o tempo passa e vai dando lugar para o avanço das forças interessadas na deterioração do Plano Real, no apodrecimento da moeda e na volta da inflação.
Mas, convenhamos. É utópico esperar que parlamentares venham a aprovar mudanças que contrariam seus interesses. Se assim é, qual a saída?
Friedrich Hayek, um economista liberal de respeito, argumentava que as sociedades modernas precisam encontrar uma maneira de dissociar as leis maiores da nação dos interesses menores dos políticos.
Como fazer isso? Assembléias separadas -propunha ele. A sua proposta se inspirou na velha Atenas onde, no auge da democracia, as assembléias populares aprovavam apenas as leis menores e relacionadas à implementação de políticas definidas pelas leis maiores.
Estas, inclusive a Constituição, eram aprovadas por uma assembléia separada, cuja função única e específica era a de estabelecer as normas de conduta de longa duração.
Hayek sugere, assim, à Assembléia Constituinte a implantação de duas assembléias. Uma para estabelecer a filosofia e outra para cuidar do operacional.
Tudo isso é muito estranho para a nossa tradição -mas não necessariamente errado. Vale a pena meditar sobre a idéia. É óbvio que, podendo, nenhum ser humano contraria seus próprios interesses.

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