São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Lobby e regulamentação

MARCO MACIEL

Um dos temas mais relevantes da agenda política contemporânea é o da democracia participativa.
Trata-se de um conceito cunhado para distinguir os procedimentos eleitorais da investidura do poder e das decisões políticas dos governos democráticos. Em outras palavras, não basta que o poder político seja democraticamente investido. Ele tem de ser, também, democraticamente exercido.
A participação política significa a possibilidade de permitir que todos os atores do processo político, a começar pelo que se convencionou chamar de sociedade civil, tomem parte nas decisões relevantes que lhes dizem respeito e que diretamente lhes afetam. A atuação dos chamados grupos de interesse no processo político é um capítulo relevante da democracia participativa.
Como se sabe, quanto mais amplos e legítimos os interesses sociais defendidos por essas entidades, mais participativo se torna o processo decisório no âmbito da política.
Convém frisar a expressão interesses legítimos porque o mecanismo da defesa de interesses ilegítimos, obviamente, não opera por essa mesma via nem torna visível a sua atuação.
Como no Brasil não existe legislação a respeito, a prática de interesses que são ilegítimos terminou confundida com a dos interesses legítimos.
Isso se deve, sobretudo, à circunstância de que a palavra de origem inglesa lobby sofreu no país uma conotação pejorativa, muito embora haja uma distinção entre grupos de interesse, não-formalizados, grupos de pressão, que são formalizados e em geral defendem interesses corporativos, e lobbies, que exercem essa mesma atividade profissionalmente.
Resultado: terminamos satanizando a participação, mesmo se legítima, e santificando a manifestação, mesmo que ilegítima.
Foi para suprir essa lacuna da legislação brasileira que apresentei, em meados da década de 80, projeto de lei regulamentando o exercício dessa atividade. O projeto já foi aprovado no Senado e se encontra atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados.
Reconheço haver um entendimento pelo qual alguns vêem em iniciativas dessa natureza o risco da contaminação se dar em sentido inverso do que atualmente ocorre, isto é, que a defesa de interesses autênticos termine legitimando a defesa dos que são ilegítimos.
Os que pensam dessa maneira obviamente esquecem que a regulamentação visa, exatamente, dar transparência ao sistema de participação nas decisões.
Hoje, quando um parlamentar recebe um lobista, não sabe se é um representante de uma entidade ou instituição legal ou se representa interesses escusos. Pretender, de antemão, santificar alguns interesses e satanizar outros constitui evidente discriminação.
O primeiro resultado da regulamentação será a possibilidade de identificar a natureza de tais interesses. Aqueles que forem legítimos não terão por que não se registrar, especificando, inclusive, os recursos que os financiam e os meios de que dispõem para a defesa dos interesses que representam.
Os que forem ilegítimos se afastarão imediatamente desse circuito legal, operando clandestinamente, porque não terão a possibilidade de colocar permanentemente sob a ótica da fiscalização pública a investigação dos seus recursos e processos.
Ousaria mesmo dizer mais: a regulamentação da defesa desses grupos é uma etapa necessária e indispensável à modernização das relações das instituições públicas com a sociedade.
Se dermos racionalidade a esse debate e não o encararmos de forma emocional e suspeita, não só estaremos fortalecendo os mecanismos democráticos de participação das decisões de governo, como, ao mesmo tempo, daremos mais transparência às relações entre o governo e a sociedade, e -o que é mais importante- contribuiremos decisiva e não retoricamente para conferir efetividade à democracia decisional, que todos aplaudem, mas em favor da qual poucos atuam.

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