São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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Universidades: o assassinato do espírito

ROBERTO ROMANO

A Assembléia Legislativa hoje comemora, por iniciativa do deputado José Baccarin, os 20 anos da Unesp. Além de parlamentares, discursam o reitor dr. Arthur Roquete de Macedo e professores. Data ideal: o orçamento de 1997 está sendo enviado aos deputados.
O governo tentará arrancar verbas dos campi. Ou os deputados escolhem saber e técnica, e recursos que rumam com certeza para seus municípios, por meio das universidades, ou aceitam trocas que rebaixam o Legislativo.
"A educação no Brasil foi negligenciada de forma desastrosa. Na Ásia eles deram uma fantástica atenção à educação, à tecnologia. O 'gap' está aumentando para o Brasil. Esta é uma grande agenda, onde o orçamento público desempenha um papel enorme, pois há grande ceticismo sobre a possibilidade de o setor privado fazer isso."
Frases de Rudiger Dornsbusch (Folha, 30/3/96), que indica a via para nações muito povoadas: o crescimento econômico. Este caminho existe se o povo estiver instruído para viver em ritmo de produção e comércio mundiais. Diminuir os analfabetos em ciência e tecnologia é alcançar poder internacional. As lutas contra o analfabetismo e a favor da pesquisa em ciência e tecnologia devem ser simultâneas.
O empresário brasileiro não possui o costume de seus pares norte-americanos e europeus, agora dos asiáticos, de aplicar dinheiro em pesquisas que só têm retorno em prazo médio.
Ele precisa aprender que lucros seguros ligam-se a uma política ampla de investimentos. No Brasil é ridícula a aplicação privada em ciência. Assim, o governo precisa aplicar na educação básica, na ciência e tecnologia.
Tal não é política de hoje, no plano federativo. Em São Paulo, modelo de produção tecnológica -com as universidades públicas e a Fapesp-, governantes buscam destruir um trabalho histórico. É o caso do sr. Yoshiaki Nakano, secretário da Fazenda, que reduz o custeio acadêmico ao "estudo gratuito" de jovens da classe média, fazendo tábula rasa do labor universitário na economia e no desenvolvimento social paulista ("Gazeta Mercantil", 21/3/96).
É doença do Estado brasileiro concentrar recursos nos poderes centrais, sem retorno às bases, produzindo a manipulação de verbas e cargos.
Municípios são obrigados a vender dignidade por dinheiros que deveriam estar ao seu dispor. Muito precisa ser dito sobre a parcela dos impostos destinada às universidades públicas paulistas, que asseguram o retorno de tributos às cidades onde operam.
A quota do ICMS do campus de Botucatu (Unesp) foi quase 600% superior à parte devolvida pelo Estado ao município em 1995. Situação igual nos outros centros com presença universitária (pesquisa de José Muraro Bovo).
Esta é uma distribuição de riqueza que estaria engrossando as burras do Executivo, para que este pudesse pressionar prefeitos e vereadores. Se os deputados paulistas respeitam os seus municípios, pensem nestes prismas ao votar os recursos universitários.
A fração do ICMS da Unesp, da Unicamp, da USP, ajuda as cidades com assistência médica, social, econômica, além da produção científica. Segundo prefeitos lúcidos, o vínculo dos campi com empresas locais impulsiona a economia de modo seguro e constante.
Os índices dão uma idéia diferente do alardeado nos círculos oficiais. Desmontar o parque científico e tecnológico, assegurado pela Fapesp e universidades públicas, é crime.
Sem pesquisas, impossível assegurar saberes que possibilitem a força do Brasil no próximo século. Os institutos isolados de investigação desaparecem, anunciando morte em massa. Sorte idêntica o governo promete para as universidades.
Reflitam os dirigentes e voltem a estimular os responsáveis pela elevação do espírito em São Paulo. Inclusive e sobretudo no plano do desenvolvimento econômico. Os professores estão convidados: a sua presença, hoje, na Assembléia Legislativa, prestigia a Unesp e os representantes do povo.
Ela mostra que não aceitamos o assassinato do espírito, planejado por setores obscurantistas do Executivo paulista.

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