São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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Ensino religioso e a exceção da regra

EDUARDO KOAIK

Intriga-me tanta falta de objetividade no cerrado combate, contra o Ensino Religioso Escolar (ERE). As verdadeiras causas nunca afloram. Permanecem ocultas no mais profundo do subconsciente. Quando se fala em "razões técnicas e não de caráter religioso", intriga-me ainda mais.
A Constituição de 88, nesta matéria, não me parece que seja de entendimento inacessível aos não peritos.
No artigo 210, onde reza "O ensino religioso de matrícula facultativa", requer-se especial acrobacia para fazer entender: "Ensino religioso facultativo"; onde reza em continuação: "Constituirá disciplina dos 1º e 2º graus".
Em outras palavras, está determinando que o ensino religioso é disciplina obrigatória para a escola e de matrícula facultativa para os alunos.
Onde reza: "Nos horários normais da escola", evidente que não pode significar: fora da grade escolar. Mais: se a Constituição obriga que se introduza o ensino religioso no currículo escolar, cabe ao Estado a responsabilidade de oferecer os necessários recursos.
Todos os Estados da Federação, exceto o Estado de São Paulo, chegaram ao mesmo entendimento do artigo 210. O que me leva a pensar que o Estado de São Paulo comporta-se como se fosse um país fora do Brasil.
Tal interpretação do texto em questão não é minha. São lições aprendidas com o renomado jurista professor Ives Gandra Martins, no seu abalizado parecer ("Revista dos Tribunais", janeiro, pág. 62, 1996).
Importante observação a que muitos não se dão conta. Distinguem-se hoje, claramente, ensino religioso e catequese. Aquele atua no plano da cultura, atendendo a exigência de uma educação integral. A relação com o transcendente é que vai dar ao aluno resposta satisfatória ao questionamento existencial sobre o pleno sentido da vida.
A catequese por sua vez vai oferecer o aprofundamento da fé religiosa, cujo lugar apropriado não é a escola. E, sim, a comunidade de fé.
O Brasil não é um país ateu. A Lei Magna promulgada "sob a proteção de Deus" confirma o valor da religião refletindo o sentimento da quase totalidade da população brasileira. Portanto, há que se ter muito cuidado quando se proclama a laicidade do Estado e, com menos sentido ainda, o ensino laico.
Em que sentido se pode afirmar a laicidade do Estado? Não se trata de expressão cunhada na atual Constituição.
O que lá está é que o Estado subordina-se a ela e dela recebe as normas de conduta. O Estado guia-se por ela. O Estado é laico apenas no sentido de não adotar religião oficial. Compete-lhe a todas respeitar e proteger. No caso de privilegiar a religião católica, é por razões de tradição cultural do país.
A tradição cultural compõe a identidade de uma nação. Em toda nação merece reconhecimento e respeito o que constitui as raízes da sua história. Nação sem raízes não tem história. Argumenta-se com a laicidade do Estado para impedir o ensino religioso escolar.
Somente a primeira Constituição Republicana, de 1891, de forte influência positivista, consagrava esse princípio sem raízes em nossa história.
As demais Constituições -e não são menos de cinco, três democráticas e duas autoritárias- implantaram em seu corpo artigo sobre o ensino religioso. Então, pergunto de novo, onde se fundamenta o ensino laico?
A Secretaria de Educação designou uma Comissão Especial para o estudo do assunto. Pensava eu, de início, que teria o objetivo de viabilizar o preceito constitucional. Mas, não!
A sobredita comissão praticou uma metodologia de ouvir tanta gente que nada tinha com o ensino fundamental. Deixou de ouvir os diretamente interessados, os pais dos alunos.
Pesquisa do Datafolha (9/10/95), sem abranger o interior do Estado, revelou que 65% dos alunos pediam o ensino religioso. Os alunos de hoje dão lição aos mestres. E sensatamente apontam o que realmente tem importância para sua educação integral.
Desse modo a comissão conseguiu elaborar parecer contra o ensino religioso obrigatório, interpretando tendenciosamente a Constituição. Contraria assim o modo de pensar das Secretarias de Educação de todos os Estados do Brasil. Agora, penso, resta recurso a quem tem a última palavra e verdadeira competência para uma decisão final.
Finalizo lembrando que a presença do ensino religioso na atual Constituição e anteriores não é dádiva de nenhuma autoridade política. Resultou de calorosos debates entre os constituintes, que novamente se vêem envolvidos na aprovação das Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
De um lado, a minoria com apoio na tese da separação entre Estado e Igreja propugnada pelo ensino laico. De outro, a maioria expressando o sentimento predominante do povo brasileiro.
Não se está se pedindo privilégio e favorecimento. Pede-se respeito ao preceito constitucional.

D. Eduardo Koaik, 67, é bispo da diocese de Piracicaba. Foi presidente regional da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em São Paulo.

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