São Paulo, quarta-feira, 17 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A versão dos salários do BC

LUÍS NASSIF

A irracionalidade e o primarismo continuam tomando conta do debate público. Em qualquer tema, vale a primeira impressão e a primeira manchete, o maniqueísmo despido de qualquer análise mais isenta.
Depois que a versão torna-se verdade, não há santo que permita retificações. É o caso desse aumento do funcionalismo do Banco Central. Alguém convencionou que o aumento seria de 77% e a versão virou fato.
O que era um plano de carreira legítimo e racional, aprovado pelo Conselho Monetário Nacional e -obviamente- pelo presidente da República, vira pó por conta de manchetes.
Como não existe comunicação social neste governo -na presidência da República, no Ministério do Fazenda e no Banco Central-, em vez de esclarecimentos indispensáveis, entra-se num processo de transferência de responsabilidades.
Como se fosse possível o CMN ter autorizado o plano sem analisá-lo, ou tê-lo aprovado sem conhecimento prévio do presidente da República.
Evasão
Dentro de um mercado globalizado, com mudanças constantes de regras, com o país preparando-se para receber volumes recordes de investimentos externos, com o sistema financeiro fragilizado, o papel da burocracia do BC é mais relevante do que nunca.
No entanto, o órgão que já reuniu a elite da tecnocracia pública, não consegue mais atrair os melhores quadros para seus concursos.
O salário inicial no banco é de R$ 1.092,00 por seis horas -englobando gratificações- e R$ 1.354,00 por oito horas.
No Tribunal de Contas da União é de R$ 3.740,00; de R$ 4.000,00 na Receita e na Comissão de Valores Mobiliários e de R$ 5.000,00 na Procuradoria da Fazenda.
Cada funcionário obtém promoção a cada dois ou três anos, dependendo do mérito, chegando ao topo da carreira em 28 a 43 anos. São 15 referências, cada degrau permitindo aumentos de 8%.
As consequências estão estampadas nos últimos concursos. Dos 1.737 aprovados, 633 desistiram sem ao menos tomar posse e 99 pediram demissão.
Dos remanescentes, 128 quadros técnicos já pediram demissão e dos 71 procuradores aprovados, 23 já foram embora.
Em agosto do ano passado, quando ficou claro o fracasso do último concurso, o banco estudou maneiras de recuperar o prestígio, para garantir o nível futuro de seus quadros.
Proposta responsável
A proposta -técnica e responsável, saliente-se- consistia em alterar o gradiente da carreira (isto é, a curva de salários), permitindo aumentos maiores para os funcionários em início de carreira e aumentos menores para os salários mais altos.
A proposta tinha duas pernas.
A primeira consistia em mexer nas regras de gratificação. Desde o período em que os funcionários do BC vieram do Banco do Brasil, incorporaram gratificação de 25% em seu salário básico.
Propunha-se fixar o piso de gratificação no equivalente ao quarto nível da carreira. Com esse procedimento, todos os níveis inferiores receberiam aumentos. A partir da quarta referência, não haveria aumentos.
O segundo ponto foi uma proposta de aumento escalonado no salário base, indo de 48% (para as primeiras faixas) a 0% (para a última).
A maneira seria manter o salário máximo (do presidente do BC) e recuar cada referência em 6,5% na primeira etapa (abril) e 5% na segunda (a partir de outubro) -em lugar dos 8% atuais.
Na primeira etapa -iniciando em abril- o impacto seria de 12% sobre a folha atual (de R$ 32 milhões mensais). Na segunda -a partir de outubro- de mais 10%.
Com esses procedimentos, o aumento de 77% seria apenas para o salário inicial do banco, para quem trabalha seis horas.
Bastaria trabalhar oito horas (o que depende da chefia, não do funcionário) para o aumento já começar a cair para 57%.
Isso para uma estrutura onde qualquer erro significa bilhões de dólares em prejuízos para o país.
Saiu a manchete, o plano pifou. A comunicação social da Presidência tratou de espalhar que o presidente não sabia de nada.
E tenta-se agora crucificar um diretor, por ter cometido o desplante de anunciar em coletiva a aprovação de um voto público do CMN. Ou julgava-se que o aumento seria concedido em "off"?

Texto Anterior: Rendimento de estágio é tributável
Próximo Texto: Recuam previsões para inflação e PIB
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.