São Paulo, sábado, 20 de abril de 1996
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Conflitos na área civil

LUÍS MARCELO INACARATO

Para julgar com segurança e aplicar corretamente as leis, o magistrado precisa sentir-se aceito no meio social onde atua, consciente de que sua decisão, qualquer que seja ela, será respeitada, ainda quando contrária às expectativas dominantes.
Com efeito, a força vinculatória do julgado sustenta-se na premissa de que, sendo membro do Poder Judiciário, está o juiz legalmente investido da faculdade de decidir, soberanamente, a questão.
Eventuais críticas ao mérito da sentença são razoáveis num regime democrático, em nada afetando o exercício da prestação jurisdicional, mesmo porque é fenômeno que se manifesta "a posteriori", quando a decisão já foi proferida, encontrando corretivo nas instâncias julgadoras.
Inadmissível, porém, a rejeição apriorística do próprio órgão judicante, despindo o juiz da autoridade para decidir e negando legitimidade à sua atuação. Esse tipo de contestação, que questiona a legalidade do exercício da atividade jurisdicional, constitui-se, para o juiz, na mais insuportável forma de pressão.
A falta de respaldo social torna perigosa a Justiça, porque os seus órgãos, em vez de decidir com firmeza, aplicando as leis sem receio, estarão mais preocupados com a repercussão da decisão do que com a qualidade do julgamento.
O juiz que não goza de credibilidade é um homem acuado e solitário que, sentindo a repulsa social, tentará proteger-se atrás de decisões convenientes. Esse o grande drama da Justiça Militar Estadual: falta de credibilidade e de aceitação pública para atuar na área inespecífica dos conflitos civis.
Quando exerce jurisdição no âmbito da caserna, na condição de "juiz natural" do foro castrense, resolvendo as questões de disciplina e hierarquia na corporação armada, os julgamentos da Justiça Militar encontram plena aceitação e pode-se afirmar com absoluta segurança que se trata de uma Justiça altamente altamente especializada, confiável e segura.
O juiz que não goza de credibilidade é acuado e solitário
Todavia, quando chamado para decidir questões de direito que envolvem o ordenamento civil, especialmente em casos de notória repercussão sócio-política, o juiz castrense sente-se repelido, e a sua insegurança, independentemente da pureza moral que o motiva, vai refletir-se no julgamento, prejudicando-lhe a qualidade.
A vigente Carta Política dá sustentação legal à atuação da Justiça Militar nos conflitos da área civil, estendendo-lhe a competência para apreciar delitos que transpõem o estreito âmbito da caserna. Nítida, porém, a falta de respaldo social como base de sustentação popular da Justiça Militar Estadual, permanentemente contestada em sua atuação no meio civil.
Evidencia-se, então, grave descompasso entre a vontade do povo e a solução legislativa, de fundo constitucional, que os parlamentares, seus representantes, estão dando para o problema. E, com isso, fica prejudicado o direito, porque, sem apoio na vontade popular, atuando em área inespecífica, o juiz castrense fica despojado da indispensável tranquilidade e independência para proferir decisões confiáveis e justas.

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