São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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Veja como foi o confronto em Eldorado

DA AGÊNCIA FOLHA

Foi uma tarde de horror, aquela da última quarta-feira, em Eldorado de Carajás, no Pará.
Um Eldorado bem diferente do país imaginário que se dizia existir no sul da América, sinônimo de delícias e riquezas.
O confronto entre cerca de 150 policiais militares e 1.200 sem-terra foi uma tragédia que deixou, até aqui, um saldo de 19 mortos e 63 feridos.
Veja a seguir a reconstituição do episódio que deixou o país chocado e despertou atenções internacionais.
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1 Manifestantes bloqueiam a estrada PA-150
Na quarta-feira, cerca de 1.200 sem-terra bloqueiam, pela segunda vez na semana, a rodovia PA-150, principal ligação de Belém com o sul do Estado. A interdição ocorreu às 12h.
A 130 km dali, duas horas depois, o coronel do Batalhão da Polícia Militar de Marabá, Mário Colares Pantoja, ordena a um grupo de 85 PMs que se prepare para ir ao local.
A ordem era desbloquear a rodovia. "Vamos agir com cautela e trabalhar direito", teria dito Pantoja, segundo policiais.
Outro grupo, de 68 policiais, saía ao mesmo tempo de Parauapebas, município vizinho. Quatro ônibus cheios de soldados, dois de cada lado do km 96 (um ao norte e outro ao sul), ponto do bloqueio da rodovia, se dirigem para o palco do combate. Uma camionete D-20 também leva PMs de Marabá a Eldorado de Carajás.
Os sem-terra, empunhando foices e pedaços de madeira, alguns portando armas de fogo, passaram a tarde cantando hinos de protesto no meio da pista.
Eles se dividem em dois grupos, que ficam a 300 metros de distância um do outro.
O primeiro destacamento da PM a chegar foi o proveniente de Parauapebas. Os policiais descem dos ônibus e ficam, com metralhadoras e fuzis nas mãos, observando os manifestantes.
Com a chegada dos soldados de Marabá, por volta de 17h, os sem-terra elevam o tom da manifestação, com mais gritos de protesto. Por volta de 17h10, o grupo de policiais de Marabá aproxima-se dos manifestantes.

2 PMs avançam e começa o confronto
Portando escudos e cassetetes, um grupo de 15 soldados coloca-se à frente, organizando uma espécie de "proteção" para os que se posicionavam armados atrás.
Quando os soldados chegam a uma distância de três metros dos manifestantes, o lavrador Jurandir Gomes dos Santos, 30, conta ter ouvido um deles dizer: "Esperem, que nós vamos dar as respostas".
Santos chegou a imaginar que seriam notícias sobre um possível acordo para os assentamentos na fazenda Macaxeira. Enganou-se. As respostas vieram na forma de bombas de gás lacrimogêneo, disparos para o alto e, em seguida, na direção dos manifestantes.
Depois dos primeiros tiros, o grupo dos soldados de Paraopebas também ataca.
Os PMs dizem que os sem-terra atiraram primeiro. Os trabalhadores rurais afirmam que não usaram armas de fogo e que foram alvejados por metralhadoras no primeiro momento do combate.
Manifestantes dizem que os tiros continuaram por cerca de meia hora. Os sem-terra se espalharam, alguns tentaram reagir, outros procuraram fugir.
Muitos foram pisoteados e espancados. Outros, que não conseguiram se esconder na mata, foram feridos ou morreram vitimados por tiros.

4 Saldo da luta: 19 mortos e 63 feridos
O líder dos sem-terra no local, Oziel Alves Pereira, 17, que era tido como o "organizador" do movimento e era quem comandava as negociações com o governo, foi visto em meio ao tumulto sendo algemado e levado para um carro.
Depois que o combate terminou, Pereira foi encontrado morto, com o crânio esmagado e o parte do rosto deformada.
Os policiais militares se retiraram do local quando não havia mais manifestantes no meio da rodovia, nem nas proximidades.
Os sem-terra dizem que havia mais corpos na mata, perto da estrada. Os trabalhadores afirmam ainda que a polícia envolveu corpos de crianças com lona e levou-as a um local ignorado.
Os investigadores da Polícia Civil não haviam localizado, até a noite de sexta-feira, outras vítimas. O Exército iria fazer uma varredura.
Os corpos foram transportados para o Instituto Médico Legal de Marabá e jogados em três salas no porão do prédio do IML.
O saldo do conflito: pelo menos 19 mortos e 63 feridos.

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