São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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A omissão confessada

JANIO DE FREITAS

Ato inicial - Um repórter quer palavras de Fernando Henrique Cardoso, a meio de uma festividade em Goiás, sobre o massacre no Pará. "Não sei o que aconteceu lá. Isso é o conflito do Brasil arcaico com o moderno."
Segundo ato - De volta a Brasília, Fernando Henrique é informado de que a CNN está transmitindo para todo o mundo, com a persistência que dedica aos fatos muito graves, as notícias de um massacre de lavradores no Brasil. E as repercussões já começam a chegar em avalanche.
Terceiro ato - Repercussão internacional negativa? Fernando Henrique vai ao encontro dos repórteres palacianos: "É inaceitável que tenha havido um massacre. Constrange o país, constrange o presidente da República. É injustificável". Já estava garantido o material para os jornalistas do peito livrarem o presidente.
A cabeça é um aparelho complicado, porém. Foge ao controle com a mesma facilidade com que certas pessoas fogem aos seus compromissos públicos e deveres humanos. E Fernando Henrique, com sua conhecida impossibilidade de refrear a verborragia, quis dar mais aos jornalistas aliados: "A violência não leva a nada, a não ser à tragédia. A inércia induz à violência. Juntando-se inércia com violência, tem-se um quadro dramático do país que nós não podemos aceitar".
Escapou. Por alguma fresta da cuca, escapou. A visão que Fernando Henrique tem do governo resumida em uma palavra. A origem dos massacres posta em uma equação precisa. A quem ou a que poderia referir-se a "inércia" que "induz à violência" senão ao governo? De tudo o que deveria estar em atuação para evitar as causas da violência e, no entanto, está inerte, só mesmo o governo.
A inércia não é forçada pelas circunstâncias. Não existe, por exemplo, para impedir que o planejamento de viagens internacionais tenha prioridade no gabinete presidencial, assim se explicando que, no dia em que se dava o massacre, na Presidência o tema principal de trabalho fossem as visitas de Fernando Henrique a Paris e a Washington, no mês que vem.
O caráter intencional da inércia encontra sua melhor demonstração no assunto mesmo da reforma agrária e dos sem-terra, embora não só aí, mas em quase tudo, o governo seja inerte. Comecemos por lembrar que o governo, só em seu primeiro ano, teve quatro presidentes no Incra, um recorde inesperável.
Dos dois primeiros, nem seria justo dizer que presidiram a entidade encarregada da reforma agrária. O Incra foi tratado como repartição de quinta categoria, recebendo verbas minguadas e atrasadas e nenhum apoio político. Até que assumiu Francisco Graziano, originário das ante-salas do Planalto. Pronto, de repente Fernando Henrique mandou soltar o dinheiro para o Incra, foi para a TV falar da fase que seu governo iniciava, deu todo o apoio político ao nomeado.
Mas Graziano caiu na asneira de supor que era contrário aos princípios de Fernando Henrique, e aos objetivos também, o tráfico de influência praticado dentro mesmo da Presidência. Foi expelido do Incra e da patota presidencial, para aprender que o tráfico, assim como o próprio Fernando Henrique, operava a favor da empresa americana Raytheon no Sivam. Graziano dançou, o Incra voltou ao mesmo desprestígio anterior a ele.
Foi muito breve a interrupção da inércia intencional. E do seu efeito como indutora da violência, por exemplo, no sul do Pará.

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