São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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A revolução que vai extinguir o império da televisão

MARIA ERCILIA
DA FOLHA ONLINE

George Gilder, 56, adora ir contra a maré. Consultor de empresas, colunista da revista "Forbes ASAP" e ex-conselheiro de Reagan e Bush, mistura previsões sobre tecnologia que beiram o desenfreado com um extremo conservadorismo em assuntos sociais.
Exatamente no mês em que o Windows 95 foi lançado (agosto de 95), Gilder publicava um artigo na revista "Forbes ASAP" profetizando com estrondo o fim dos grandes sistemas operacionais, que seriam substituídos por programas leves, alugados diretamente na Internet conforme a necessidade.
Cinco ou seis anos atrás, quando a obsessão nos EUA era TV interativa, ele escreveu um livro intitulado "A Vida Após a Televisão" (leia texto abaixo) em que previa que o PC ia substituir a TV. O livro ganha agora tradução brasileira, pela Ediouro.
Agora Gilder defende que há uma revolução em curso, feita de areia (chips), vidro (fibras óticas) e ar (comunicação sem fio) e que o resultado será comunicação baratíssima e abundante para seres humanos e computadores.
Muito religioso, torna-se quase evangélico quando discursa sobre fibras óticas, dados viajando à velocidade da luz e satélites despejando informação sobre a Terra.
Esse furor futurista convive com uma alma profundamente reacionária. Até o começo dos anos 90, Gilder escreveu obras sobre sociologia que expressam opiniões bastante surpreendentes.
Acredita que a principal causa dos problemas sociais hoje é a dissolução do casamento, causada pelo feminismo e... pelo sistema de seguro social norte-americano.
Sua equação é a seguinte: homens privados do papel de principal provedor da família pelo seguro-desemprego tornam-se inúteis e violentos. Seguem-se o crime e a desgraça.
Embora tenha mudado totalmente sua temática e hoje só escreva sobre tecnologia, Gilder ainda sustenta essas opiniões. Naturalmente, é execrado por feministas e pelo movimento negro.
Leia a seguir a entrevista que Gilder deu à Folha durante visita que fez a São Paulo no fim de março.
*
Folha - O sr. tem se dedicado quase exclusivamente a escrever sobre a Internet. Acha que ela realmente está se tornando tão importante assim?
George Gilder - Ela transforma tudo. A Internet cresceu 16 vezes no ano passado, nos EUA. Cada usuário aumentou oito vezes seu tráfego, e o número de usuários dobrou. É uma explosão, maior do que qualquer um pode imaginar.
Folha - Mas isso aconteceu nessas proporções nos EUA, onde a Internet nasceu.
Gilder - Outros países têm condições até maiores que os EUA de desenvolver suas redes de comunicação. O próprio Brasil, por exemplo. A Europa e os Estados Unidos estão presos no que eu chamo de jaula de cobre. Têm uma enorme rede de telefonia instalada, que está se tornando obsoleta. Hoje, com os novos amplificadores óticos, os sinais vão da origem ao destino nas asas da luz.
Folha - Mas essas tecnologias ainda são caras e experimentais.
Gilder - Acho que todo esse cobre nos EUA e na Europa distrai as pessoas do enorme potencial das fibras óticas e da comunicação sem fio. No Brasil eu acho que a resposta é a comunicação sem fio, que está se tornando muito barata. Vocês podem ter uma estrutura de comunicação sem fio que superará todo o cobre do Norte, de instalação tão cara. O que o Brasil tem pela frente não é um problema, é uma oportunidade...
A transmissão de dados diretamente para miniparabólicas vai transformar o mercado de televisão.
Folha - Isso é uma ameaça às empresas de TV a cabo?
Gilder - A indústria de TV a cabo se transformou radicalmente no ano passado, com o advento do DBS (Distributed Broadcast System, sistema de transmissão sem fio diretamente para o aparelho do usuário). As empresas de cabo chamam esse sistema de "estrela da morte".
O DBS leva diretamente à sua casa 150 canais de TV, com uma qualidade perfeita e som com qualidade de CD. Isso baniu todo o futuro do cabo como mídia para transmissão de TV.
Sei que no Brasil a televisão é muito poderosa. Neste quarto de hotel em que estou, por exemplo, deve haver uns dez canais. Em um ano, quando vocês tiverem DBS, terão disponíveis estes 150 canais. Não sei se as emissoras brasileiras já entenderam o choque que essa tecnologia vai provocar.
Folha - Mas o sr. não afirma que a era da TV está no fim?
Gilder - Bem, você terá estes 150 canais, mas terá também sete milhões de endereços na Internet... Na verdade acredito que o PC vai tornar o lugar da TV. Hoje as telas de computador não podem competir com as de TV, que são muito melhores para transmitir imagens. Você não quer ler longos textos no computador, prefere imprimi-los. Quando as telas de computador forem melhores -isto não está longe- a TV não terá chance.
Folha - Mas as pessoas não acham mais cômodo assistir TV que usar um computador?
Gilder - As pessoas querem escolher. Com a TV elas não tem chance. Aliás, acredito que os jornais serão os grandes vencedores na Internet. Ao contrário da TV, que subordina o espectador a seus horários e ao seu conteúdo, o jornal já funciona de acordo com o que eu chamo de lei do telecosmo (conjunto de regras inventado por Gilder, tema de seu próximo livro). Você controla o momento e o lugar em que lê o jornal. Você pode arquivar pedaços dele, anunciar nos classificados etc. Na Internet, tudo isso pode ser feito de forma ainda mais eficiente.
Folha - O sr. já afirmou que Marc Andreessen (autor do programa Netscape, para a Internet) é o próximo Bill Gates.
Gilder - Acho que a Microsoft mudou sua estratégia e vai ser muito importante para a Internet. Não vai dominá-la. Ninguém vai. A Internet não é uma pequena arena que será dominada por um ou dois produtos. De qualquer forma, acho que a Netscape vai ser muito importante na Internet.
Folha - Que saída o sr. vê para este problema do desemprego, que está sendo agravado pela informatização?
Gilder - Em primeiro lugar, não acho que ele exista. Nos últimos 30 anos, foram criados 38 milhões de empregos nos EUA, que é a nação mais informatizada do mundo. O computador liquida empregos em algumas funções repetitivas, mas cria riqueza, que por sua vez criará empregos. A riqueza é o melhor gerador de empregos.
Folha - O sr. escreveu um livro sobre o casamento. Acha realmente que é fundamental para a sociedade que os homens sustentem as mulheres?
Gilder - Minhas idéias têm fundamento antropológico. Homens casados são mais produtivos que solteiros. O homem precisa canalizar sua agressividade e merecer a mulher e os filhos, ser capaz de sustentá-los. Veja o Japão. Tem uma das maiores taxas de estabilidade no casamento e uma das menores taxas de violência.
Folha - Por que o sr. é contra o seguro-desemprego?
Gilder - Pelo mesmo motivo. As famílias negras nos EUA estão se desestruturando, porque o homem perdeu seu papel de provedor da família e sai à rua para matar e roubar.
Folha - Não é paradoxal que o sr. fale tanto de modificações trazidas pela tecnologia e no entanto acredite que o comportamento humano seja totalmente governado por imperativos biológicos, impermeáveis à mudança?
Gilder - Mas é assim que penso. A tecnologia nos ajuda a enfrentar dificuldades. Somos seres criativos, feitos à imagem de Deus. Mas acredito também que homens e mulheres são intrinsecamente diferentes e que este movimento unissex americano é um erro.
Folha - Suas idéias não têm muita chance de ser ouvidas nos EUA.
Gilder - Mas minhas previsões se confirmam, infelizmente.

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