São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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Os primeiros povos da floresta

Estudo descreve primeira ocupação da Amazônia

ESTANISLAU MARIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM (PA)

Trabalho publicado na última sexta-feira na norte-americana "Science" -uma das mais respeitadas revistas científicas do planeta- contesta uma antiga teoria de povoamento da América e coloca em evidência duas instituições federais do Pará: a Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Museu Paraense Emílio Goeldi.
Os pesquisadores brasileiros trabalharam com a arqueóloga americana Anna Roosevelt. Após cinco anos de escavações no município de Monte Alegre (650 km a oeste de Belém) e análises do material recolhido, o grupo de cientistas recolheu material rigorosamente testado para comprovar a tese de que o homem já habitava a Amazônia há pelo menos 11,2 mil anos.
Os resultados do estudo que ganhou a capa da revista, foi assinado também pelo geólogo do centro de Geociências da UFPA Marcondes Lima Costa, pela arqueóloga do museu Goeldi Maura Imázio da Silveira e pela pesquisadora Cristiane Lopes Machado, que atualmente trabalha na Reserva Florestal de Linhares (ES).
Maura participou das escavações e coleta de material nos 21 sítios arqueológicos em Monte Alegre. Costa trabalhou na fase posterior, quando o material lítico (fragmentos de pedras) foi classificado nos laboratórios da universidade.
Datação
Os brasileiros participaram de todas as fases da pesquisa, exceto às de datação, feitas na Universidade de Washington (EUA) e no Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França.
A caverna da Pedra Pintada, cujo nome vem das pinturas pré-históricas nas paredes, foi o ponto de partida para o grupo de 15 pesquisadores americanos, franceses e brasileiros. Das escavações, que chegaram a até 1,90 m de profundidade, foram retirados mais de 30 mil fragmentos de pedra lascada e cerâmica (restos de armas e objetos domésticos pré-históricos).
O objeto que mais empolgou os pesquisadores foi uma pedra cuidadosamente lascada em formato triangular (como uma ponta de flecha) e cortante dos dois lados.
Os materiais foram submetidos a diferentes processos de datação e os 69 resultados convergiram para uma mesma idade: entre 11,2 mil e 10 mil anos. Essa é a idade de artefatos pré-históricos semelhantes encontrados em escavações na Ásia e América do Norte.
Teoria
Essa descoberta no interior do Pará obriga os teóricos da ocupação do continente a reverem o modo como se deu o povoamento da América do Sul, a partir do deslocamento de povos que teriam caminhado dos atuais EUA e Canadá até a América do Sul. Esses povos, por sua vez teriam vindo da Ásia, atravessando o estreito de Bering.
Segundo Costa, a repercussão desses trabalhos será ótima para o museu Goeldi e para a UFPA. "Uma descoberta dessas traz muito prestígio", disse o pesquisador em entrevista à Folha.
"Um olhar mais atento da comunidade científica significa mais projetos, mais dinheiro para pesquisas, mais divulgação, mais parcerias, mais intercâmbio. É o sonho de todo centro de pesquisas", completa ele.
Segundo Costa, foram encontrados vestígios de dois momentos diferentes da evolução do homem pré-histórico: materiais de pedra lascada e materiais de cerâmica.
"O homem pré-cerâmico viveu na Amazônia há 11 mil anos e ficou na área cerca de 1.200 anos. O homem cerâmico surgiu há 7.000 anos e é o 'avô' de nossos índios".
As pesquisas apontam que ambos já dominavam o fogo e viviam da caça. Nos vestígios de 7.000 anos há indícios de uma agricultura rudimentar e o consumo de carnes e peixes cozidos, evidenciados pelos altos teores de até 6% de fósforo na cerâmica.
O trabalho
No começo era o verbo e o verbo era "escavar". Segundo Costa, em 91, os sítios arqueológicos foram localizados e, em 92 e 93, os pesquisadores fizeram meticulosas escavações para recolher material.
Para ter disponíveis minúsculas partículas pré-históricas orgânicas foi usado o moderno processo de flotação, usado pelos engenheiros de minas. Por meio de processos químicos, o material é absorvido em paredes de bolhas de sabão, de onde são retirados por minúsculas pinças. Só os trabalhos de flotação duraram um ano.
Em 94 os materiais foram enviados para diferentes laboratórios para datação e classificação. O ano passado foi dedicado à correção de dados e redação do artigo.
Costa participou da classificação das lascas de pedra. Ele disse que em alguns níveis da escavação, mais de 90% dos restos de objetos encontrados eram de calcedônia (uma rocha dura e de granulação fina, que se quebra em arestas muito afiadas).
Nenhum osso foi encontrado, mas a equipe de Anna Roosevelt se prepara para voltar ao Pará.
Com uma verba de US$ 1 milhão da norte-americana National Science Foundation, para mais cinco anos de pesquisas, os cientistas recomeçam as escavações em setembro.

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