São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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Simples e equilibrada

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

Sempre que me perguntam por que estou confiante que a reforma administrativa será aprovada com maior facilidade do que as demais tenho uma resposta imediata: porque o tema foi exaustivamente debatido pela sociedade e se chegou a um grande consenso sobre sua importância e necessidade.
Porque é uma reforma simples e equilibrada, que não pretende fazer uma revolução, mas marcar um claro avanço; porque o problema mais difícil -a demissão por excesso de quadros- foi objeto de um acordo político; porque só atinge os maus servidores e os excedentes, contribuindo para a valorização da grande maioria que fica; porque o presidente da comissão especial e o relator estão afinados com os objetivos da reforma.
As pesquisas em geral revelam que cerca de dois terços da população apóiam a reforma administrativa; o restante, um terço, distribui-se entre os que se opõem e os que não têm opinião formada.
Na sociedade civil formou-se a convicção de que sua aprovação é essencial, a curto prazo, para o ajuste fiscal dos Estados e a consolidação do Plano Real e a médio prazo para a modernização do Estado, permitindo a transição de uma administração pública patrimonialista e burocrática, ineficiente e auto-referida, para uma administração pública moderna, gerencial, voltada para o atendimento da população.
O conteúdo da reforma é claro e simples. Busca-se a definição de um teto para a remuneração de servidores ativos e inativos, de forma a acabar, definitivamente, com os marajás.
Volta-se a permitir a admissão no serviço público de empregados, além de funcionários estatutários. Mantém-se a exigência do concurso para todos. Exige-se que haja projeto de lei -e, portanto, possibilidade de veto- para qualquer aumento de remuneração no Judiciário e no Legislativo.
Elimina-se a isonomia e as consequentes vinculações salariais. Permite-se a desburocratização da administração das empresas, autarquias e fundações, desde que tenham contrato de gestão com o núcleo estratégico do Estado.
Dessa forma viabiliza-se a administração gerencial, que o Plano Diretor da Reforma do Estado prevê, por meio da progressiva transformação das autarquias e fundações em "agências autônomas" ou em "organizações sociais".
Finalmente, a reforma flexibiliza a estabilidade, mas não acaba com ela. Ao contrário do que ocorre com os trabalhadores privados, o servidor ilegalmente exonerado poderá sempre obter sua reintegração.
A flexibilização é feita por meio da adição de dois novos motivos para demissão além da falta grave: a insuficiência de desempenho, aplicada caso a caso, para permitir a cobrança de trabalho, e o excesso de quadros, para permitir a dispensa de servidores desnecessários, viabilizando o ajuste fiscal.
O servidor tem sempre direito a ampla defesa e a uma indenização, quando demitido. E são tomadas uma série de precauções para impedir demissões por motivos políticos: os critérios para exoneração por excesso de quadros devem ser objetivos, impessoais e os respectivos cargos são automaticamente extintos, não podendo ser recriados antes de quatro anos.
Finalmente, nos termos do acordo político firmado por ocasião da aprovação da reforma na Comissão de Justiça, os atuais servidores só poderão ser demitidos se a despesa de pessoal exceder a 60% da receita. Nesse caso deverão primeiro ser demitidos os servidores não-estáveis.
O objetivo mais importante da reforma é valorizar os funcionários perante a sociedade, para que o Estado possa valorizá-los adequadamente com treinamento, boa remuneração e perspectivas de carreira. E a reforma tem esse pressuposto muito claro. Os servidores, que em sua maioria são dedicados e têm espírito público, terão sempre um papel estratégico no novo Estado que o Brasil precisa construir.
Mas a reforma não tem adversários?
Certamente os tem: além dos funcionários ainda mal-informados, temos, como vimos claramente nos debates da Comissão de Justiça, uma velha aliança contra a reforma: a aliança do corporativismo com o patrimonialismo.
O corporativismo, nesse caso disfarçado de esquerda e representado por sindicatos pouco representativos, defende interesses menores dos maus funcionários em nome do interesse público; o patrimonialismo, confundindo o patrimônio público com o privado, defende interesses pessoais, de parentes, amigos, cabos eleitorais, que são geralmente maus funcionários, quando não são adicionalmente marajás.

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