São Paulo, quinta-feira, 25 de abril de 1996
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As empreiteiras, mero bode expiatório

ALOYSIO BIONDI

Um único tipo de escândalo tem o dom de provocar manchetes frequentes no Brasil: são os casos de superfaturamento, cobrança de preços exagerados, na construção de estradas, usinas, obras públicas em geral.
A obsessão apenas com a "caixinha" das empreiteiras, demonstrada pela imprensa, leva a opinião pública a grave engano: o contribuinte brasileiro, classe média e povão, não se apercebem de que, todos os dias, os cofres públicos da União e Estados são vítimas de assaltos tão graves, envolvendo bilhões e bilhões de reais, quanto os rombos provocados pelo superfaturamento.
São escândalos silenciosos, aos quais não se dá atenção.
Quando um presidente da República, ou governadores, ou prefeitos, perdoam dívidas de sonegadores, o resultado da decisão é o mesmo: desvio de dinheiro dos cofres públicos.
Idem, quando são dadas vantagens para instalação de fábricas. Ou quando terrenos, edifícios, fazendas, reservas de terras são doados, emprestados ou alugados a preços baixíssimos a cidadãos ou grupos empresariais "amigos do rei".
Não é apenas má administração. É favorecimento, desvio de dinheiro da mesma forma -porém na surdina, ou com aparência de legalidade.
Dois episódios que estão mobilizando a opinião pública há dias servem para revelar como os governantes brasileiros têm tratado o dinheiro, o patrimônio da sociedade, contribuintes, classe média e povão, sem que haja reação.
Primeiro: o caso dos sem-terra do Pará. A fazenda Macaxeira, pivô do massacre, na verdade não pertence ao empresário que a explora.
São terras da União (isto é, "nossas"), ocupadas, invadidas pelo fazendeiro.
E mais: ele sequer pagou as "taxas" ridículas que, ao longo dos anos, deveria ter desembolsado pela utilização das terras (e vai ser indenizado para desocupá-las...).
Segundo episódio: os garimpeiros do Pará, que desejam explorar nova jazida de ouro da serra Dourada, de propriedade da estatal (de resto exemplar) Vale do Rio Doce.
A pretensão parece absurda. Não é. Pouca gente sabe que, ao longo de anos e anos, a Vale do Rio Doce realiza pesquisas caríssimas em todo o território nacional, e quando descobre jazidas de ouro e outros minérios, entrega-as de mão beijada a grandes empresários nacionais.
Qual a diferença entre o garimpeiro e o grande empresário? Entre o sem-terra e o fazendeiro invasor? É essa a política econômica dos governos brasileiros.
Para grupos empresariais, doação do patrimônio público. Para os sem-terra e garimpeiros, "a lei". Para os contribuintes, a balela do "Estado quebrado".
Sempre assim
No começo do ano, os sem-terra invadiram fazendas na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Crime contra a propriedade? Não.
Como esta Folha noticiou na época, 90% das terras da região não pertencem aos fazendeiros. Eles invadiram milhões de hectares, pertencentes ao governo do Estado (nós).
Há séculos? Não. Nos anos 60. Em São Paulo.
"Muy amigos"
Nem sempre as terras pertencentes aos Estados e União (nós), milhões e milhões de hectares, foram invadidas.
Em muitos Estados de desbravamento recente, como Goiás, Mato Grosso, Acre, Tocantins, Rondônia, os próprios governadores doaram fazendas de milhares de alqueires a "empresários". Pretexto: apressar a "colonização". O p-r-o-g-r-e-s-s-o.
Teoria demais
Há teorias em excesso sobre a questão da reforma agrária. Tudo seria diferente se a opinião pública impedisse governo federal e governadores de doar terras públicas, ou permitir sua invasão por grupos empresariais.
Autoritarismo
O governo fez mudanças na diretoria do Banco do Brasil: a União fica com dois representantes, e os acionistas minoritários, com três.
Assim -diz- o governo não poderá mais tomar decisões prejudiciais ao BB, pois está com minoria de votos. Farsa.
Os representantes dos acionistas minoritários são o Fundo de Pensão dos funcionários do BB e da Caixa de Assistência. Governo.
Lebre preta
O colunista Elio Gaspari levanta mais uma lebre, preta, na privatização da Light.
Além de moedas podres, a equipe FHC/BNDES vai aceitar também "cartas precatórias", isto é, "certificados" de empresas ou cidadãos que têm créditos a receber do governo -basicamente, dinheiro de desapropriações. Cartas marcadas?
Prioridade
Por onde anda o projeto que reduz o uso de medidas provisórias pelo governo FHC?

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