São Paulo, sábado, 27 de abril de 1996
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Uma resposta política

ALOYSIO NUNES FERREIRA

O problema da reforma agrária é político, embora a sua solução -como, de resto, ocorre com todos os problemas de governo- reclame a ação técnica.
Sendo assim, o presidente atuou como o estadista que é, e recuperou uma das bandeiras mais coerentes com o ideal da social-democracia moderna ao criar o Ministério Extraordinário para a Reforma Agrária.
Afinal, a questão agrária situa-se no cerne da questão social em nosso país. O desenvolvimento econômico e social do país depende de corajosa alteração no regime de propriedade fundiária.
Essa mudança não pode ser vista como gesto de caridade para com os trabalhadores sem-terra, mas sim como ato de razão política e passo importante para a ampliação do mercado interno brasileiro, sem o que o crescimento da economia será sempre precário.
A questão agrária reclama providências múltiplas e de todas as áreas do governo, além de ampla participação social. Como todos sabemos, e a experiência é nisso rigorosa conselheira, não basta demarcar lotes rurais e entregá-los às famílias que os reivindicam.
Sem assistência técnica, crédito para o custeio das lavouras e subsistência dos beneficiados, máquinas e implementos, construção de moradias e de equipamentos sociais, como escolas e ambulatórios, não haverá consistência nos assentamentos. O Ministério Extraordinário deverá articular todas essas medidas governamentais, seja na própria esfera da União, seja em convênios com os Estados e municípios.
Por mais competente e hábil que seja o presidente do Incra (cuja estrutura técnica deve ser mantida em sua integralidade), faltam-lhe os títulos e a autoridade de um ministro de Estado, que pode falar em pé de igualdade com seus companheiros de governo e ter acesso, direto e permanente, ao presidente da República, aos chefes do Legislativo e do Judiciário e aos governadores.
Os êxitos registrados pelo governo, no que tange ao controle do processo inflacionário, exigem, para a sua consolidação, atos corajosos na área social.
O preço da competitividade e da abertura do mercado aos produtos estrangeiros é alto, com o desemprego que as novas tecnologias e o fechamento de empresas provocam.
Os assentamentos rurais, embora não possam competir nos grandes mercados consumidores com as modernas plantações capitalistas, permitem pelo menos a auto-subsistência de famílias de trabalhadores que hoje perambulam, sem destino, nos amplos e vazios espaços do território nacional, que só a insensatez histórica colocou nas mãos de poucos e ausentes proprietários.
Há também, na criação do ministério, uma resposta ao clamor popular. A inexplicável e imperdoável matança de Eldorado de Carajás dilacerou a alma da nação, já tão atingida por outras manifestações de violência de que são vítimas fáceis as camadas mais débeis da população, como as crianças de rua, os favelados e os trabalhadores rurais.
E a sua repercussão no exterior é particularmente grave, porque ocorre no momento em que a seriedade do governo nos dava presença internacional.
Como é óbvio, não bastará a criação do ministério para resolver o problema. Temos uma legislação razoável para a reforma agrária: basta aprimorá-la.
Dispomos de estruturas burocráticas para levá-la adiante. A pressão social cresce a cada dia em amplitude e contundência. O que sempre faltou foi a decisão das elites políticas em aplicá-la, inibidas pela resistência organizada dos grandes latifundiários.
Gesto político, a criação do ministério engaja a autoridade presidencial na luta para vencer essa resistência.

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