São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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Universidade deve ser paga, diz Nobel

ANDRÉ LAHÓZ
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil gasta muito dinheiro com as universidades públicas, que deveriam ser pagas. Os alunos sem condição de pagar o ensino superior deveriam receber um empréstimo do governo, que pagariam depois de formados.
A opinião é do economista Gary Becker, da Universidade de Chicago, prêmio Nobel de economia de 1992 e um dos maiores especialistas do mundo em educação e capital humano.
Leia os principais trechos da entrevista concedida à Folha:
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Folha - O Brasil tem média de escolaridade da força de trabalho de 3,5 anos e 19 milhões de analfabetos. Um país assim tem futuro?
Gary Becker - Sim, é claro que o Brasil tem futuro econômico. Mas acredito que a situação seria muito melhor se o país concentrasse mais recursos para melhorar a educação e o nível da mão-de-obra, principalmente dos mais pobres.
O Brasil é um dos países que não investem suficientemente em capital humano. Se isso melhorar, as chances do país aumentam.
Folha - Gasta-se hoje cerca de R$ 260 por aluno por ano. O governo quer passar a gastar R$ 300. O que acha deste número?
Becker - Os EUA gastam mais de US$ 4.000. Mas é muito difícil comparar diferentes países. O custo dos professores é menor no Brasil. Prefiro não comentar quanto vocês estão gastando, mas como vocês estão gastando.
É preciso ver quanto vai para o ensino básico e secundário. Um país como o Brasil tem que ter não apenas algumas pessoas extremamente bem formadas, mas principalmente que a maioria da população tenha um mínimo de treinamento e educação. É preciso que o país avance no ensino básico e secundário.
Se você for, por exemplo, a regiões pobres do Rio de Janeiro, que eu visitei quando estive no Brasil, verá que muitas crianças não vão às escolas. Eu me preocuparia muito mais com isso do que com as universidades.
Folha - O governo brasileiro gasta 60% do orçamento da educação em ensino superior. O que acha?
Becker - É um erro. Os que chegam na universidade são pessoas ricas ou de classe média, raramente são pobres. E os que saem ganharão salários muito superiores à média, porque terão boa formação. Vocês estão subsidiando as pessoas erradas.
O governo deveria tentar estimular um acesso mais equilibrado nas universidades e, para os que não podem pagar, conceder empréstimos com prazo longo de pagamento. A Austrália faz isso e os EUA também.
Folha - Há regiões modernas na economia brasileira. O governo não deve gastar com computadores, por exemplo, nas escolas dessas regiões?
Becker - O governo não deve esquecer o setor moderno da economia, pois se o Brasil pretende crescer, é claro que precisa apoiar estes setores.
O que não se deve esquecer é da outra parte da economia. É preciso limitar o que o governo gasta com o setor moderno.
Folha - Pensando no futuro, em que tipo de educação um país deveria priorizar: ensino básico, ensino prático para mão-de-obra, ensino de tecnologias avançadas?
Becker - Acho que treinamento técnico, ligado ao trabalho, deve ficar nas mãos das empresas. Elas estão mais próximas dos empregos, e portanto que sabem melhor o que deve ser treinado. É o que se faz nos EUA e na Ásia.
O papel do governo na promoção de capital humano é dar o ensino primário e secundário, que dê às pessoas conhecimentos gerais.
Folha - E a administração das escolas?
Becker - O setor público deve se concentrar no financiamento dos alunos, e deixar a administração das escolas nas mãos do setor privado. É o que tentamos nos EUA com o ensino secundário.
O dinheiro iria direto para as mãos dos alunos, e as escolas competiriam pelos alunos, assim como empresas competem por cliente.
Folha - Que exemplos o sr. daria de países que tiveram sucesso em educação e na economia?
Becker - Muitos países priorizaram o capital humano e tiveram sucesso econômico, como Taiwan, Cingapura, Coréia do Sul, Japão, Hong Kong, e agora Indonésia.
Folha - Nenhum país latino-americano?
Becker - O Chile é o país de maior sucesso na América Latina. Tem tido crescimento econômico e promovido treinamento e novas tecnologias.

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