São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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O MTBE e a guerra ao álcool

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Não faz muito tempo fomos surpreendidos com a adição de metanol à gasolina por causa da redução da produção de álcool etílico. Imediatamente foi gerado um tumulto político e social. Alguns técnicos afirmavam que o metanol era tóxico, o que é verdade. Mas é menos tóxico do que a gasolina. E, como já vem com ela misturado, não haveria riscos de ingestão.
Afirmou-se, entretanto, que era volátil, com o que intoxicaria o usuário. Houve pânico. Prefeitos, por excesso de zelo ou de demagogia, proibiram a mistura gasolina-metanol-etanol em suas cidades. Houve falta de combustível. Aos poucos a população foi esclarecida pelo esforço conjunto da imprensa e da indústria alcooleira. O que ficou claro àquela época foi a resistência da Petrobrás a dar qualquer explicação. Do palanque assistiam o espetáculo.
Pois bem, agora a coisa se repete. A empresa que despende rios de dinheiro com a propaganda de suas façanhas tecnológicas e descobertas de reservas não faz o mínimo esforço para esclarecer a opinião pública.
Um dia, o cidadão acorda com a notícia de que está alimentando seu precioso automóvel com um tal de MTBE. As entidades que se ocupam do meio ambiente, estatais e privadas, não são ouvidas, ou nem sequer informadas. A coisa se agrava agora com a afirmativa dos empresários da indústria alcooleira de que há estoques de álcool etílico anidro em quantidade suficiente para alcançar a próxima safra.
Mas antes vamos esclarecer o que é, afinal, esse tal de MTBE. A explicação é simples. Começa com a questão da combustão heterogênea da gasolina em um motor de ciclo OTTO. Sendo incompleta essa combustão, joga no meio ambiente resíduos, principalmente hidrocarbonetos e monóxido de carbono. Todavia, historicamente foi a redução de eficiência e prejuízo ao motor devido às "detonações" que fizeram com que se procurasse evitar esse defeito.
Foram assim usadas dezenas de substâncias que evitavam as microdetonações prematuras, tais como aminas aromáticas, compostos metalorgânicos e que mais. Mas foram os compostos orgânicos de chumbo, tais como o seu tetraetila e o seu tetrametila que obtiveram maior sucesso comercial.
Entretanto, cedo percebeu-se que os compostos de chumbo, além de deixar resíduos prejudiciais na câmara de combustão, emitiam derivados que são extremamente poluentes.
As baixas pressões e com o controle de composição dos hidrocarbonetos é possível evitar detonações sem aditivos à gasolina, mas esta é uma solução economicamente insatisfatória. E a busca de novos aditivos antidetonantes tornou-se intensa.
O Brasil teve sorte, pois o álcool etílico mostrou-se competente como antidetonador e pudemos desde cedo evitar os compostos de chumbo! Aliás, não apenas o álcool aditivado à gasolina aumenta a sua eficiência e evita, pelo mesmo mecanismo, a emissão de hidrocarbonetos e de monóxido de carbono, mas também é o melhor meio de combate ao aumento da perene ameaça do efeito-estufa atmosférico.
Com o crescimento da urbanização e da mobilidade, o problema da emissão de monóxido de carbono se torna central. O indivíduo exposto ao monóxido de carbono só é desintoxicado quando todo seu sangue é renovado.
Descobriu-se então que algumas substâncias, ditas oxigenadas, além dos álcoois, ajudavam a conter a emissão de monóxido de carbono, dentro elas os Éteres Metil e Etil Tércio Butil (MTBE e ETBE), obtidos a partir dos álcoois etílico e metílico e iso-buteno, derivado do petróleo.
Outros ainda estão em experimentação, como, por exemplo, o Ter-Amil Etil Eter e o Ter-Amil Metil Éter. O cartel petroleiro gosta do MTBE principalmente porque toda a matéria-prima provém do próprio petróleo. Todavia, a preferência dos petrocratas pelos éteres (MTBE e ETBE) em relação aos álcoois (etanol e metanol) tem uma certa consistência devido a certas propriedades físicas e químicas peculiares.
Os éteres reduzem a volatilidade da mistura, além de apresentar aproximadamente a mesma densidade, o mesmo calor latente de vaporização e o mesmo poder calorífico. Essas propriedades não são, entretanto, significativas.
No começo de 1994, quando o petróleo estava entre US$ 14,00 e US$ 16,00 o barril, o MTBE estava sendo vendido a US$ 0,235 o litro, na média, nos EUA. Não foi revelado quanto a Petrobrás pagou pelo MTBE, mas, com o aumento da demanda internacional deste produto e com o atual preço do petróleo em torno de US$ 23,00, o MTBE não poderia ser produzido por menos do que US$ 0,35 por litro, o que já é bem mais do que custa o álcool para a Petrobrás quando subtraídos os impostos.
Contrariamente ao que se difundiu no Brasil, o MTBE não é tóxico. Isto já está provado à exaustão nos EUA e na Europa. Apenas tem um certo mau cheiro e pode irritar mucosas de indivíduos sensíveis.
Todavia, é mais caro, é inferior ao álcool etílico no que diz respeito ao monóxido de carbono e sua escolha será, antes de tudo, um desserviço para a agroindústria nacional e para a economia do país, com reflexos sociais incalculáveis.
Esperemos, pois, que a importação do MTBE tenha sido apenas emergencial, ou mais uma dessas brincadeiras de mau gosto da Petrobrás, e não um primeiro passo para a substituição do álcool anidro.

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