São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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O Brasil não está parado

LUÍS NASSIF

Uma das características dos processos prolongados de crise é a dificuldade da opinião pública em perceber os avanços registrados.
Não se tem recuperações lineares nem se sai da crise por passes de mágica. O processo de reconstrução institucional e econômica é longo e sujeito a retrocessos ocasionais.
Como esses processos são obrigatoriamente lentos, sedimenta-se um pessimismo que impede a correta avaliação dos avanços.
Esse fenômeno foi muito nítido em dois momentos distintos da história recente do país: 1984 e 1992.
Em 1984, o país ainda padecia da recessão iniciada em 1982. Havia pessimismo amplo dominando a opinião pública, no exato momento em que se completava a primeira das grandes mudanças estruturais da economia: a reversão da balança comercial e a obtenção de superávits expressivos.
O novo quadro só foi plenamente percebido dois anos depois, com o Cruzado.
Em 1992, com a economia patinando em recessão e o governo Collor em estado pré-agônico, sobreveio nova onda pessimista, justamente quando se completava o primeiro grande ciclo de reestruturação do setor privado, com parte relevante das empresas colhendo os primeiros frutos dos programas de qualidade e da abertura da economia.
Renovação
Repete-se agora processo semelhante.
A economia ainda lambe as feridas da crise deflagrada pela irresponsável política monetária.
Só que já se está em meio a um novo turbilhão de renovação, estimulado por uma série de avanços infraconstitucionais e pelo amadurecimento de processos iniciados nos últimos anos.
No plano dos investimentos internacionais, há fatos da maior seriedade acontecendo:
1) Com crise e tudo, neste ano o Brasil se firmou como o terceiro maior consumidor de televisores do mundo.
O fato obrigou que gigantes do setor o incluíssem em suas prioridades de investimento. O megainvestimento de US$ 1 bilhão da coreana Samsung em Taubaté é significativo.
2) Mesmo com o refluxo registrado no ano passado, provavelmente até o final da década o Brasil superará a Itália como quarto maior fabricante mundial de autoveículos.
Entende-se porque o Brasil passou a ocupar lugar estratégico nos planos de investimento de todas as grandes montadoras internacionais. E essas montadoras chegarão acompanhadas de um complexo de autopeças.
Infra-estrutura
No plano da infra-estrutura pública, há três movimentos simultâneos mudando a face dos transportes nacionais:
1) A privatização da malha oeste da Rede Ferroviária Federal -vencida por um consórcio de operadores americanos- instituiu uma competição efetiva no setor. Nos próximos anos, é possível que o transporte ferroviário recupere a importância que teve até o início dos anos 60.
2) A decisão do presidente da República de regulamentar o órgão gestor de mão-de-obra permite o início efetivo da modernização do setor, três anos depois de aprovada a nova lei dos portos. O novo modelo permitirá, em breve, o início de investimentos privados no setor portuário.
3) A nova lei de concessões e a decisão de estadualizar as quatro maiores rodovias federais abrem espaço, pela primeira vez em 15 anos, para a recuperação da malha rodoviária.
Mercado
No âmbito dos Estados, a privatização e a reforma administrativa já entraram na rotina dos governos. Esse processo será coroado com o programa de reestruturação dos bancos estaduais, permitindo resolver definitivamente um dos pontos centrais de desequilíbrio das contas públicas.
No plano financeiro, à medida que a nova cultura da estabilização se impõe, consolidam-se mecanismos de mercado que há anos pareciam extintos.
Comércio e indústria voltam a se valer de financiamentos de prazos mais longos. No ano passado, esse mecanismo esteve disponível apenas para grandes grupos. Mas, gradativamente, o crédito está voltando para as empresas menores.
Além disso, o fim da inflação acabou com a ditadura das aplicações de renda fixa e, em breve, os investidores começarão a se voltar para mecanismos mais sofisticados, como o mercado de capitais e os planos de aposentadoria complementar.
Desafios
Há grandes desafios pela frente. Principalmente no "front" fiscal e na área financeira. Mas o país não está parado.

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