São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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'Quase-tragédia' pode beneficiar o Corinthians

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Um dia, a casa cai. Quem sabe não seja hoje o dia? Afinal, o Palmeiras passou apertado por São Paulo e Portuguesa nos seus dois últimos jogos. Além disso, não terá Djalminha e corre o risco de ficar sem Muller também.
Enquanto isso, no outro Parque, o que poderia ter sido uma tragédia começa a tomar contornos de remissão: a sombra da morte que atravessou o avião do Corinthians em Quito parece ter selado um pacto de união entre os jogadores.
Os mesmos que viam o grupo esgarçar-se a cada gesto individual de vaidade. E isso sob uma atmosfera mística, como se esse Corinthians fosse o povo escolhido de Deus.
Para os mais céticos, pode soar como outra bobagem que este espaço oferece ao leitor.
Mas quem convive há tantos anos com esse estranho universo do futebol sabe que esses fatores, às vezes, têm mais força e precisão do que um disparo do Marcelinho.
O único problema é convencer o Palmeiras disso.
*
A propósito, sempre que ocorre um fato desses, vem à lembrança o desastre de Superga, no final da década de 40, quando o avião que conduzia a delegação do Torino de volta ao lar, depois de uma excursão à América do Sul, chocou-se com a cúpula de uma igreja, dizimando o maior time do mundo da época.
Dizem que o maior silêncio da história do futebol foi o dos 200 mil brasileiros presentes ao Maracanã na perda da Copa de 50 para os uruguaios.
Lá eu não estava. Mas estava no Jumbo da Air France, lotado, que levava a seleção brasileira para a Arábia Saudita, na excursão de 1978.
Quando o avião levantou vôo de Atenas em direção ao país, era uma festa ensurdecedora: bumbos, pandeiros e tamborins improvisados marcavam o samba entoado por metade dos passageiros.
A outra metade gargalhava, gritando uns para os outros, bem ao estilo do que o brasileiro supõe seja cordialidade nessas aventuras.
Súbito, o avião mergulha no centro de uma tormenta. De início, requebra ao som da bateria, para, depois, chacoalhar como um liquidificador.
Foram alguns segundos de terror, longos como a eternidade. Olhei em volta, e a impressão que me ficou era a de que estava num museu de cera aéreo: uma garotinha, imprimindo-se com tal sofreguidão à mãe que parecia querer voltar ao ventre, soluçava sem emitir nem um som sequer; os batuqueiros entalaram na garganta o último canto; os jogadores, heróis da véspera, encolhiam-se nas cadeiras, e só o silêncio, uma densa e vibrante massa, parecia ter vida ali.
Um tranco poderoso seguido de alguns requebros restabeleceu o movimento do avião e a vida a bordo.
O bicho seguiu em paz até Jidá, onde demos um passeio nos árabes e voltamos para perdermos a Copa do Mundo da Argentina.

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