São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O documentário desaparecido

4 Em junho de 69 Itoby recebe de Gianni Amico a notícia de que Glauber estava em Roma e queria contato; acabara de ganhar o prêmio de Cannes de melhor diretor com "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro".
O primeiro encontro foi na casa de Gianni. Itoby foi apresentado a um Glauber interessado em trabalhar para a organização. "Posso ajudar na divulgação da luta, tenho amigos nas embaixadas, jornalistas, posso ser útil na ação de propaganda", disse.
O cineasta francês Jean-Luc Godard, também em Roma, filmando "Vento do Leste" (Sartre participara da elaboração do roteiro) foi contatado. Acabou destinando parte do dinheiro da produção do filme para a ALN. Era a guerrilha brasileira abrindo horizontes.
Em setembro, uma imprudente ação armada no Brasil levaria a ALN ao topo da popularidade internacional, mas mudaria o destino da luta armada: o sequestro do embaixador americano. Os jornais europeus deram destaque à primeira ação de porte do movimento de libertação brasileiro.
O embaixador foi trocado por 15 presos políticos, entre eles, líderes estudantis brasileiros, que embarcaram para o México. Godard ofereceu à ALN um documentário com os 15 novos exilados. Uma entrevista divulgaria a luta dos revolucionários. Mas os 15 foram a Cuba, e Godard desistiu.
A todo instante, nos jornais da Europa, os feitos dos jovens revolucionários brasileiros. Em Paris, Sartre marcou duas audiências com representantes da ALN. Ofereceu dinheiro e apoio -chegou a publicar um número especial de sua revista, "Temps Moderns", dedicado à luta armada brasileira.
O sequestro trouxe a CIA e a repressão brasileira em peso para a guerra contra-revolucionária. O combate à subversão passou a ser prioridade número um do governo militar. Começa o ciclo de quedas, torturas, mortes e prisões.
Glauber recebe ofertas milionárias para filmar na Europa e Estados Unidos. Mas o cineasta já cedera espaço para o militante Glauber, que foi fazer um filme ("Leão de Sete Cabeças") no Congo.
Colocou-se à disposição para negociar com o novo governo socialista do Congo uma rádio revolucionária que emitiria sinais para o Brasil. "África tem tudo a ver com o Brasil", disse. Glauber fez contatos, e ficou tudo acertado, mas a ALN não tinha quadros para serem deslocados à operação -a onda de quedas no Brasil estava dizimando a jovem organização.
Glauber voltou a Roma para montar "Leão de Sete Cabeças" logo depois da morte de Marighella. Os militantes da ALN na Europa estavam de partida para Cuba. Entrega na casa do milionário italiano Gianni Barceloni, amigo de Glauber, uma carta apresentando Itoby a Alfredo Guevara.
Assim como o panorama da luta armada brasileira mudava, a carreira de Glauber sofria um revés: "Leão de Sete Cabeças" foi um fracasso de crítica e público.
Glauber partiu para um projeto mais radical, filmar "Cabeças Cortadas", na Espanha. Depois, o filme foi acusado de ininteligível, e Glauber acabou sendo marginalizado pelos grandes produtores.
Glauber foi rever os amigos no Chile, onde muitos exilados brasileiros estavam assessorando e respirando ares do governo socialista de Allende. Em Santiago, reencontrou Norma Benguell, detentora de uma Palma de Ouro em Cannes, trabalhando para a derrubada da movimento militar.
Em junho de 1970, Glauber começa a filmar, no Chile, "Definição", um documentário estrelado por Norma Benguell, com depoimentos de exilados brasileiros.
Fade out. Norma junto às folhas de outono. A câmera se aproxima e Glauber, em off, assovia uma versão desafinada do Hino Nacional.
60% do filme estavam rodados quando a produção empacou. Norma entrevistaria um guerrilheiro brasileiro. Ambos tirariam as roupas e caminhariam para os Andes. Mas o guerrilheiro não quis fazer a cena. Alguns exilados decidiram boicotar o filme, cujos negativos estão desaparecidos.
Glauber chamou a imprensa e anunciou que iria para Cuba, onde "há liberdade para filmar".

Continua na pág. 5-7

Texto Anterior: O sequestro de Benguell
Próximo Texto: O sonho do guerrilheiro em Cuba
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.