São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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A aventura de Glauber na guerrilha brasileira

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA FOLHA

1 Na biografia de Glauber Rocha, consta seu passado revolucionário, de pensador de esquerda que defendia a luta armada, tema presente na maioria dos seus filmes. Depois do AI-5 (1968), ato institucional que representou a tomada do poder pelos militares de linha dura, Glauber rompeu publicamente com o regime brasileiro e foi viver no exílio.
O que poucos sabem é que, em Roma, Glauber decidiu cooperar como cineasta da guerrilha brasileira, envolveu-se diretamente com a ALN (Aliança Libertadora Nacional), maior organização clandestina de então. Admirava Carlos Marighella, dirigente comunista fundador da ALN, baiano como ele. Deixou de lado seus projetos pessoais, pensou em ações revolucionárias, se oferecendo para filmar sequestros e assaltos.
Morou dois anos em Cuba, onde conviveu com guerrilheiros brasileiros. Chorou num discurso de 1º de maio de Fidel Castro. Era Glauber, o engajado guerrilheiro contra o dragão da maldade.
A posterior admiração por Golbery do Couto e Silva, general ideólogo do movimento militar, a quem se referiu como "o gênio da raça", e, a partir de 74, o apoio à transição política dos generais-presidentes Geisel (1974/1979) e Figueiredo (1979/1985) ofuscaram o passado revolucionário.
O que levou um dos maiores pensadores do Terceiro Mundo, aliado da guerrilha, a mudar repentinamente de lado? Levantou-se a suspeita de que Glauber estivesse louco. Diante do "patrulhamento", expressão cunhada na época, Glauber radicalizou, chamou a esquerda de "carcomida" e filiou-se ao PDS (Partido Democrático Social), braço civil do regime militar. Passou a ser requisitado por uma imprensa ávida por suas declarações polêmicas. E Glauber não decepcionou.
Em 1977: "As pessoas que combatem o regime militar não merecem meu respeito";
"Não acredito em nenhum líder civilista. Os discursos do Geisel são os melhores textos políticos que o Brasil tem atualmente".
Em 1978: "Aqui só tem uma coisa séria em política, o Exército. Castelo Branco deveria ter criado apenas um partido: Partido Único do Exército para a Revolução Brasileira".
Em 1980: "Sou favorável à política do governo, pois ele é dirigido por militares, e eles não são demagogos. A palavra para eles tem peso real".
Apoiar os militares gerou ressentimento fora e dentro do Brasil. E no momento mais delicado de sua vida, doente e sem dinheiro, Glauber não foi levado a sério, enquanto suas previsões iam se concretizando: o movimento militar brasileiro caía não por força de organizações guerrilheiras, mas devido a uma ruptura interna encabeçada por militares nacionalistas.
Profeta ou não, Glauber foi um dos intelectuais que mais pensou o país -e pagou caro por sua idéias.
Diálogo de "Terra em Transe": - Um homem não pode se dividir. Política e poesia são demais para um só homem.
- Poesia não tem sentido, as palavras são inúteis.

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