São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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Um filme em memória de Che Guevara

2 Após o início do movimento militar em 64, a esquerda brasileira entra em processo de ruptura. Os dirigentes do Partidão (PCB - Partido Comunista Brasileiro) defendem a tese de aliar-se à burguesia nacionalista para derrubar o movimento. Muitos acreditavam que o clima estava favorável ao início da esperada revolução armada visando ao socialismo. A esquerda racha. Organizações clandestinas que pregam a luta armada são fundadas.
Em 1967, Marighella parte para Cuba como representante brasileiro da Olas (Organização Latino-americana de Solidariedade), encontro internacional em que Cuba oferece suporte aos movimentos de libertação nacional. Em voga a teoria do foco de Régis Debray: uma organização bem estruturada serviria de exemplo para as massas pegarem em armas. Cuba queria criar vários Vietnãs.
No Brasil, começam as ações revolucionárias e assaltos. Algumas siglas passam a dominar o noticiário político: VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes), PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Mas é a ALN que recebe o reconhecimento de Cuba, e Marighella é eleito por Fidel o líder da resistência brasileira.
A Revolução Cubana (1959), aventura iniciada por poucos guerrilheiros bem treinados, era a inspiração de muitos jovens revolucionários. Um dos primeiros atos da revolução fora a criação da Casa das Américas e do Icaic (Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica), o que angariou simpatia do meio artístico e intelectual. Alfredo Guevara, editor da revista "Cine Cubano", estava à frente do Icaic.
A atenção que os revolucionários dedicavam ao cinema fez eco no Brasil, em especial no grupo do Cinema Novo. Glauber passa a se corresponder com Guevara.
"Vou enviar uma cópia de 'Barravento' ou levarei pessoalmente a Cuba, pois amo muito seu país e sou um entusiasta da Revolução, inspiração para nós, jovens da América do Sul, que desejamos liberdade de culturas", escreveu em 1961.
"O PC acredita e prega uma revolução orgânica sem sangue, o que me parece impossível enquanto toda a juventude inquieta deseja uma ação terrorista armada contra os regimes escandalosos", escreveu em 1962.
"Decidi dedicar-me a um filme em memória do Che (Guevara). Será uma história prática ideológica revolucionária da América Latina. Começará com um documentário sobre os índios, a decadência imposta pela civilização, explicará fenômenos como a revolução de Bolívar, o fenômeno do imperialismo e das ditaduras, a verdade da Revolução Cubana e das guerrilhas", escreveu em 1967.
"Desculpe-me se roubo seu tempo com essa confissão pessoal, mas necessito muito de seus conselhos e até uma orientação sobre o que devo fazer, desde o ponto de vista prático, já que não quero perder tempo com atividades inúteis e sub-revolucionárias. Já tenho 29 anos e estou bastante maduro para escolher um caminho e assumir compromissos", escreveu em 1967.
"Como o considero um velho amigo, direi que o artista e intelectual desapareceram radicalmente e agora sou uma pessoa disposta a trabalhar revolucionariamente. Isto é para mim mais que uma declaração ideológica, e creio que só poderei viajar a Cuba quando estiver à altura de aceitar as condições da Revolução"; sem data.
"Te apresento Hélio, meu amigo. É uma pessoa importantíssima no Brasil. Leva uma recomendação de Gianni nesta carta. Ajude Hélio em tudo que você puder. Ele explicará os problemas, e sei que você entenderá muito bem"; sem data.
"Hélio" é Itoby Correia, estudante de direito de São Paulo, membro de um GTA (Grupo Tático Armado) da ALN, que fora enviado à Europa por Marighella, e que então partia para Cuba. E Glauber, assim como o cineasta italiano Gianni Amico, já trabalhava para a ALN.

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