São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bom senso é vítima do desemprego

GILBERTO DIMENSTEIN

O pânico do desemprego ameaça jogar milhares de crianças nas ruas das cidades americanas, numa velocidade jamais imaginada -algumas delas filhas dos 200 mil brasileiros ilegais que vivem, principalmente, em Nova York e na Flórida.
Para acalmar a ansiedade do trabalhador, espremido entre salários estagnados e a ameaça constante de desemprego, o Congresso está aprovando ofensiva contra os 4 milhões de imigrantes clandestinos, 300 mil novos por ano. Plano: aumentar o número de soldados nas fronteiras, construir mais prisões e impedir o acesso a benefícios sociais como educação.
A escola teria a obrigação de conferir se o aluno é filho de imigrante ilegal. Consequência óbvia: as crianças seriam jogadas nas ruas, engrossando o crime organizado. Apenas para servir de vigia para traficantes, ganha-se US$ 20 por hora em Nova York.
O debate assume maiores proporções porque o país está em campanha eleitoral, com o desemprego no topo da lista de ansiedades. A criação deste bode expiatório tem muito a ensinar ao Brasil.
*
Os imigrantes colaboram (e muito) para o crescimento econômico e, portanto, geração de empregos. Esforçados, conseguem superar, na média, o padrão salarial americano, tornando-se consumidores e pagadores de impostos.
Sem contar os gênios universitários que chegam para desenvolver novas tecnologias e estimulam a competição científica.
*
Reflexo dessa vontade de "fazer a América", seus filhos exibem um desempenho nas escolas públicas superior ao dos americanos.
Esse desempenho está, hoje, medido em detalhadas pesquisas de educadores, mas os filhos ou netos de imigrantes (meu caso) já sabiam disso.
São Paulo jamais seria São Paulo sem a garra dos migrantes e imigrantes.
*
Os imigrantes são uma suposta explicação para o pânico do americano diante da rotatividade no emprego. Como no Brasil, há um choque provocado pela abertura das fronteiras e novas máquinas.
Nada disso é, em essência, novo; o problema é que nunca foi tão veloz.
Qualquer mudança provoca insegurança. Quanto mais veloz a mudança, maior a insegurança.
*
É interessantíssima a lista das 30 principais profissões americanas neste século, registradas pelo Departamento de Estatística.
Em 1995, havia 16 novas categorias (programador de computador, por exemplo), entre os 30 primeiros lugares.
*
Em primeiro lugar estão, hoje, os vendedores: 6,6 milhões. Pela ordem:
professores (não inclui os das universidades): 4,5 milhões;
secretárias: 3,4 milhões;
motoristas de caminhão: 2,9 milhões;
trabalhadores do campo: 2,3 milhões.
*
Uma das mudanças mais notáveis é a presença cada vez maior de mulheres no trabalho. Elas mudaram o padrão da família, aumentaram a taxa de cidadania e, nesta década, aumentaram os lucros dos advogados com milhares de ações por abuso sexual.
A Mitsubishi nos EUA sofre ação coletiva, apoiada pelo governo, de dezenas de funcionárias que podem receber até US$ 200 milhões em indenizações.
*
São tantas ações que provocam pânico nos empregadores. Uma lista de casos extravagantes foi publicada na última edição da revista "Forbes":
Sandra Hope alegou no tribunal que seu chefe disse que ela "parecia ridícula" em um determinado vestido e sempre a chamava de "estúpida mulher".
O tribunal mandou a empresa pagar uma indenização de US$ 675 mil.
Kathryn Nordlin reclamou no tribunal que seu chefe sempre colocava a mão nos seus ombros e debochava de suas reclamações. O preço: US$ 1,5 milhão.
Peggy Kimzey reclamou que seu chefe numa loja da Wal-Mart fez comentários indecentes sobre seu corpo. Indenização: US$ 5 milhões.
*
Traumatizada com os processos, a Wal-Mart joga duro para evitar pretextos, beirando a maluquice. Proíbe encontros amorosos de funcionários da mesma loja. A pena: demissão.
Na IBM, o indivíduo é obrigado a confessar o caso amoroso com uma subordinada. Eles serão separados em diferentes departamentos.
*
Um bom exemplo de como abusos podem prejudicar causas justas: Linda Lamar, da empresa de telefonia Nynex, em Nova York, acusou sua supervisora, Elaine Mangiero, de tê-la molestado sexualmente.
Duas "provas" apresentadas: 1) a supervisora contou-lhe uma piada suja; 2) elogiou seu vestido, que a deixaria excitante.
O juiz negou o pedido. Para sorte da empresa, neste caso o réu era mulher.
*
Ainda prefiro os excessos daqui do que a ausência do Brasil, onde quase ninguém é punido por discriminar negros, mulheres, homossexuais ou deficientes físicos.
Aliás, a Prefeitura de Nova York tem um departamento apenas para investigar discriminações. Bom exemplo para ser copiado.
*
A tentativa de ser politicamente correto tem um risco quando não se conhece a língua. Para mostrar apego à ecologia, a última edição do jornal interno do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) colocou a foto de um brasileiro vestindo uma camiseta. A inscrição da camiseta: "Preservo a natureza. Não como veado".

E-mail GDimen@aol.com

Fax (001-212) 873-1045

Texto Anterior: Reforma pretende reduzir os poluentes nos rios
Próximo Texto: Morrer pelo Líbano é glória para xiitas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.