São Paulo, domingo, 5 de maio de 1996
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O dólar e a economia informal

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Fala-se muito na economia informal. O difícil é quantificá-la. Acabo de ler o trabalho de Edgard L. Feige. Aquele economista procura quantificar o que "rola" no mundo em matéria de dinheiro sujo e de moeda destinada a operações ilícitas ("Overseas Holdings of U.S. Currency and the Underground Economy", 1996).
O autor se concentra na análise do dinheiro vivo, ou seja, a parcela acumulada em notas de dólares. Seus cálculos são muito interessantes. Ele acredita existirem cerca de US$ 400 bilhões em notas, 60% em cédulas de US$ 100.
Analisando a distribuição geográfica dessa montanha de dinheiro, Feige conclui que cerca de US$ 300 bilhões estão fora dos Estados Unidos. Os americanos são os que menos usam as notas que imprimem.
Levando-se em conta que o dinheiro circula cerca de 50 vezes por ano, os US$ 300 bilhões que estão fora dos Estados Unidos alimentam negócios da ordem de US$ 15 trilhões. É uma cifra astronômica.
Esse montante é utilizado na lavagem de dinheiro, pagamento de drogas, jogo, transações ilícitas e várias outras formas que compõem as atividades da chamada economia subterrânea.
Trata-se de um número realmente espantoso. Se considerarmos que os fluxos de capital financeiro no mundo inteiro são estimados em cerca de US$ 50 trilhões, vê-se que, à primeira vista, a parcela utilizada na economia subterrânea representa cerca de 33% daquele total.
É verdade que parte desse dinheiro é utilizada em negócios lícitos. Mas há também o outro lado da moeda.
Dos US$ 15 trilhões mencionados, deve haver uma subestimação, pois muitas atividades ilegais da economia subterrânea são pagas sob a proteção do anonimato das transferências eletrônicas em nome de terceiros ("laranjas") ou acobertadas por operações legais.
No seu estudo, o autor se deteve em aspecto adicional bastante interessante. Coisa que jamais me ocorreu fazer. Ele estudou a idade e a velocidade de circulação das notas de US$ 100 usando uma amostra composta de 200 mil cédulas -que paciência!
Com isso, Feige pretendia provar que as notas do exterior teriam a função primordial de entesouramento. Não conseguiu amparo para essa hipótese.
Os dados mostraram que o dinheiro externo circula com a mesma velocidade das moedas domésticas e, na prática, tem a mesma idade média. Ou seja, ele é usado como meio de pagamento como ocorre no país de origem.
Infelizmente, o estudo não identifica a quantidade desses recursos no Brasil. Pouco importa, pois, com a exceção de alguns meses no período de 1990-91 -quando a identificação dos cheques passou a ser uma exigência rigorosa- os negócios informais neste país continuam se realizando com a maior desenvoltura na base não só do dinheiro vivo, mas também do cheque, nota promissória, pagamentos eletrônicos e até cartão de crédito.
Já é hora de pôr um pouco de ordem no tráfico de moedas que comanda uma expressiva parcela da economia informal. Do contrário, corremos o risco de acordarmos com o barulho de uma grande "débâcle" na estrutura do mundo financeiro.

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