São Paulo, segunda-feira, 13 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O bissexto e Nostradamus

JOSUÉ MACHADO

Este é um ano bissexto. E bissexto, já se sabe, são os anos de 366 dias, um a mais do que os outros; neles, fevereiro tem um dia a mais -29.
Os anos bissextos se repetem de quatro em quatro anos, com o dia extra formado pelas seis horas a mais de cada no, que se compõe de 365 dias e seis horas, sabemos todos.
Mas por que o nome bissexto?, pergunta o leitor bissexto Nicodemos Palhares, de São Paulo, SP.
Herança latina do calendário juliano. Os latinos não acrescentavam como nós o dia a mais do ano bissexto no fim de fevereiro e sim depois do dia 24, que era o sexto ("sextus") antes das calendas. O dias intrometido depois do sexto, portanto, era batizado de "bis sextus", o segundo dia sexto, nosso querido bissexto.
Por que o dia 24 de fevereiro era chamado de sexto? Porque os latinos contavam os dias de trás para frente a partir de três datas fixas: calendas, nonas e idos.
As calendas ("Calendae") indicavam o primeiro dia de cada mês; as calendas de março eram, pois, o dia primeiro de março. Daí para trás vinha o segundo dia antes das calendas de março (28/2); o terceiro dia antes (27/2), etc, até o sexto dia a contar das tais calendas - 24 de fevereiro atual, o "sextus".
Introduzido (no bom sentido) o segundo sexto ("bis sextus"), o mês inchava e ficava com 29 dias. O dia bissexto, o atual 25 do ano excepcional, era nefasto, e nele se esperavam desgraças; o imperador fazia longos discursos, dizia que a miséria de Roma ia acabar se todos ajudassem, mas que sem reformas não dava, coisa e tal. Não era mole.
Depois, o nome e a aura malévola desse dia aziago passaram para o ano todo. Algumas pessoas acreditam até hoje nos maus eflúvios do ano bissexto.
Para aposentados e criaturas que recebem salário mínimo, o azar do ano bissexto talvez tenha sentido, porque neste ano da graça de 1996 receberão generosos reajustes de 12% e 15%, inferiores à inflação de 20%. Afinal alguém tem de sacrificar-se um pouco. Já banqueiros e usineiros não têm tanto de que se queixar.
Uma coisa é preciso reconhecer neste ano bissextento: nem os governos milicoso tiveram peito para ser tão robin-hoodianos, ao tirar de quem tem muito para distribuir a quem precisa.
Mas o que importa é o calendário. Agora, felizmente as desgraças do ano bissexto estão bem distribuídas por todos os anos, de forma que não precisamos nos preocupar muito com elas. Mas convém lembrar que o ano 2000 vai ser bissexto, e Nostradamus previu que no último ano do século a coisa vai ficar feia. Bobagem, porque a tucanagem bem acompanhada reeleita continuará regendo bem salários e aposentadorias.
Mesmo assim, perguntam perplexos aposentados e "beneficiários" do salário mínimo:
É só no bissexto que salário mínimo e aposentadoria não podem ser corrigidos pelos índices da inflação? E por que mensalidades de planos de saúde particulares podem ultrapassá-los de longe, chegando aos 40%? E por que a energia elétrica vai aumentar 58% ou mais?
Que gentinha curiosa! Nunca ouviram falar da sobrevivência dos mais aptos? Nem do livre mercado? Não entendem que não se pode indexar mais nada? Ora pois. Querem que a Previdência estoure? Que a inflação vá para o espaço?
Viva o ano neoliberal bissexto!

Texto Anterior: Estudantes alfabetizam 1.200 na BA
Próximo Texto: Lixo: reciclar conceitos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.