São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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Há solução para o Brasil

GILBERTO DIMENSTEIN

Nunca a ONU promoveu um encontro tão sincronizado com a agenda política brasileira: o Habitat II ocorre nas vésperas da eleição de novos prefeitos.
Em Istambul, na Turquia, vai ser montada a maior exposição de experiências urbanas já realizadas no mundo, capazes de inspirar os municípios brasileiros - existe uma monumental coleção de projetos bem-sucedidos espalhados por todos os continentes que, graças à criatividade e vontade política, reduzem os problemas a baixos custos.
Periodicamente, a ONU promove encontros temáticos, convocando os governantes para pensar e repensar desafios da humanidade. E, como de costume, os organizadores costumam enfatizar ao máximo a importância daquelas reuniões. Ao mesmo tempo, os céticos dizem que, no final se produzem belos documentos, repletos de boas intenções, mas pouco efeito. Não suportam, e com razão, aquelas infindáveis filigranas dos documentos, a lerdeza típica das burocracias.
Erra quem se encantar com as palavras dos diplomatas. Mas erra também quem não consegue ver a importância desses momentos para o avanço da humanidade.
Todos esses encontros demoram a surtir resultado, mas germinam ou apressam a formação de novas visões, acabam envolvendo poderosos núcleos de financiamento de projetos no FMI, Banco Mundial ou Banco Interamericano de Desenvolvimento. No final, o resultado é muito mais positivo do que negativo.
No encontros promovidos pela ONU se começou a bater na tecla de que o grande investimento que um país poderia fazer era em educação básica. Entidades como Banco Mundial e BID passaram a financiar projetos em educação, numa visão que se propagou pela elite mundial.
Em 1992, em Viena, houve o encontro de Direitos Humanos, em meio a enormes disputas. Os problemas dos direitos humanos estão longe de serem resolvidos no mundo, onde perduram, por exemplo, 72 conflitos armados, movidos apenas por diferenças étnicas.
Mas aquele encontro solidificou a visão, lançada logo depois da Segunda Guerra Mundial, na carta da ONU, de que direitos humanos são universais e os governantes não podem usar qualquer argumento para suprimi-los.
No Brasil, país marcado por graves violações, se viu agora um efeito desse encontro. O governo federal, seguindo as recomendações de Viena, lançou um plano de direitos humanos, um passo para se reduzir a taxa da barbárie.
Em variados graus, esse fenômeno se repete em muitas áreas como ecologia, mulher, população, crianças, educação. Os encontros da ONU servem para lançar novas propostas, apressar uma consciência que germina ou estimular processos já em andamento em vários países.
No encontro sobre a mulher, em Pequim, se condenou a prostituição. Foi mais um ingrediente para que o governo brasileiro dispusesse de suporte internacional para lançar portarias, decretos ou novos regulamentos contra a prostituição infantil.
Em nenhuma área esse processo é tão visível como na saúde. Entidades como a Organização Mundial da Saúde e Unicef insistiram que existiam meios baratos e eficientes de se reduzir a mortalidade infantil. Por causa da difusão desses conhecimentos, registram-se melhoras quase em todo o mundo, mesmo na África. Todos conhecem, por exemplo, o efeito do sal de reidratação oral.
O encontro das cidades, na Turquia, tem o defeito de gerar uma monumental papelada com boas intenções, muitas vão ficar no papel por muito tempo. Mas, ao mesmo tempo, dissemina novas descobertas urbanas e fortalece mais um aspecto dos direitos humanos - o direito de cada um ter habitação com um mínimo de decência.
Marcado pela pobreza e desigualdade, o Brasil tem nas soluções municipais um mecanismo para saldar a dívida social - são nos municípios que vão sendo encontradas as melhores soluções como os projetos de renda mínima vinculados à educação, formas de saneamento mais baratos e medicina preventiva.
Quanto mais rápido e com maior profundidade os novos prefeitos e vereadores tirarem lições do que se faz de certo ou de errado nas cidades do planeta, menor será o tempo em que se vai reduzindo a miséria no Brasil.

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