São Paulo, domingo, 26 de maio de 1996
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Ofício dos ossos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Esperava uma conexão no Linate-Milano quando ouvi a pergunta em português já meio italianado: "Como é? Já acharam os ossos de Dana de Tefé?"
Era um conhecido que se auto-exilara em 64, dava aulas de matemática num curso em Bérgamo, casara-se com uma aluna e desistira do "custo Brasil". Só não desistia da curiosidade de saber dos ossos de Dana de Tefé.
Houve época em que saber de tais ossos era o problema nacional mais dramático. Um advogado matara a amante e dera sumiço no corpo, todo mundo sabia que ele era o assassino, mas sem cadáver não podia haver processo de homicídio.
Foi promovida colossal busca dos ossos, revolveram-se os 8 milhões de quilômetros quadrados do território nacional, não houve osso de cachorro e de galinha que ficasse imune ao exame dos especialistas nesse ofício macabro.
Apareceram ossos humanos em lugares impróprios, em terrenos baldios e até numa arca de jacarandá de uma sacristia em Pati do Alferes. Não eram os ossos de Dana, mas de vítimas anônimas de crimes não-sabidos.
Num cemitério de Cachoeira de Macacu estavam legalmente registradas 596 ossadas de origens diversas. Um delegado se meteu a conferir e descobriu que havia 813, ou seja, 217 ossadas suplementares. Nenhuma delas era de Dana.
Apareceram até os ossos de Mengele -que os bem-informados supunham vivo e em outras paragens. Além de ossos, outras coisas costumam aparecer subitamente no Brasil: um pai putativo da Brooke Shields, primos do papa -qualquer cidadão, seja de onde for, eleito papa, ganha automaticamente um primo afastado, na maioria dos casos no Paraná.
O que nunca apareceu foi a devolução do meu Fundo 157, que todos pagávamos ao governo. Aquele imposto provisório sobre a gasolina também seguirá o exemplo dos ossos de Dana de Tefé. Daí que só votarei para presidente no candidato que prometer resolver esse enigma.

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