São Paulo, quinta-feira, 6 de junho de 1996
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O dia da besta

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Hoje é seis do mês seis do ano de noventa e seis. Ao escrever a data em cima da crônica para enviá-la à Redação, descobri que é o dia da Besta do Apocalipse, cujo número é 666, ou seja, exatamente hoje, 6 de junho de 1996.
Não entendo de cabala, mas acho que ela não foi inventada à toa. Na Antiguidade, o homem não tinha muito o que fazer, sobrava tempo para observar a natureza, observar os outros e observar-se.
Alguma coisa deve ter acontecido ou não acontecido para que chegassem à conclusão, primeiro, que havia (ou haveria) uma Besta, depois, um Apocalipse (que significa revelação), finalmente, que o número dela não era 555 nem 777, mas 666.
Seria um belo dia para o mundo acabar. A hipótese ficou desmoralizada pelos charlatães e profetas -que no fundo são a mesma coisa, uma vez que o profeta é um charlatão que deu certo. Pode-se inverter o raciocínio: o profeta é o charlatão que ainda não foi testado.
Invocar a qualidade de profeta para o cronista, além de imodéstia, seria uma besteira. Não acerto nem escore do Fluminense, muito menos do jogo de bicho. Sou tão infame em matéria de futuro que nunca sei quando vai chover ou fazer frio. Penso sempre que haverá sol e calor, daí que estou invariavelmente vestido de forma inadequada. Apesar disso, cultivo essa falta de adaptação: é o único otimismo a que me permito.
Resta a hipótese de ser eu um charlatão, que deve ter alguma coisa a ver com o Charles, que seria o meu nome em outras línguas. Examinando-me com honestidade, sem complacência nem culpa, admito que a charlatanice é função liberal (jamais neoliberal). Todos, de certa forma, a exercemos quando, por exemplo, declaramos amor a uma mulher ou renda à Receita Federal.
Espero que nada de ruim aconteça aos outros e principalmente a mim. Mas que hoje é o Dia da Besta, é.

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