São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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Novo tipo de lesão invalida jovens

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Maria do Carmo de Amorim, 37, tem de deitar na cama para dar o seio direito ao filho de 4 meses porque seu braço direito não tem forças para carregá-lo.
Arleide Sales, 29, decidiu fazer uma laqueadura depois de derrubar por nove vezes o filho ao chão.
Não fosse a dor, Francisca Pereira, 29, estaria melhor: não consegue pentear o cabelo, carregar panela pesada nem varrer o chão.
As três têm duas coisas em comum: trabalharam na fábrica de rádios da Ford em Guarulhos (SP) e são portadoras de LER (Lesões por Esforços Repetitivos).
A sigla designa um conjunto de doenças que afeta músculos e tendões dos braços, dos ombros e do pescoço. Os sintomas variam da perda de força do membro a dores lancinantes.
É a principal doença do trabalho do fim do século. Só nos Estados Unidos responde por 56% das doenças ocupacionais.
No Brasil não há estatísticas, mas a médica Maria Maeno Settini, coordenadora do Cerest (Centro de Referência da Saúde do Trabalhador do Estado de São Paulo), diz que uma simples amostra da cidade de São Paulo aponta para uma epidemia: 65% dos 1.596 pacientes atendidos pelo centro no ano passado têm LER.
Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos, só as linhas de montagem da Ford da cidade geraram 2.054 portadores de LER. A empresa reconhece 200 casos.
Maria, Arleide e Franscisca dizem ter ficado incapacitadas na linha de montagem da Ford.
Francisca conta que montava um rádio em menos de um minuto. Maria diz que testava 63 aparelhos por hora, dando-lhes pancadas com um martelo de borracha.
Recebiam até prêmios pela destreza -chaveiros, canetas e jaquetas. A linha de montagem que estabelecesse novos recordes de produção ganhava um coquetel.
"Era uma competição macabra. A Ford estava na idade da pedra", afirma Francisca, que hoje preside a Associação Estadual de Prevenção e Combate a LER.
Com as primeiras dores, médicos da Ford diziam que Francisca estava com o pulso aberto. Deram-lhe uma lâmpada de infra-vermelho para fazer aplicações em caso de dor. Um psicólogo falou que era psicológico, logo passaria. "Tomei muito sossega leão", diz Maria, referindo-se aos calmantes fortes.
Aos 23 anos, ela ouviu de um perito do INSS que seu braço não tinha mais jeito -deveria ser aposentada por invalidez. Esperou oito anos para receber R$ 88 ao mês.
Catalogaram sete males em seus braços, de tendinite (tendão inflamado) a tenossinovite (inflamação de tendões e da articulação).
Maria recebe R$ 112, um quarto do que ganhava. Arleide nem isso conseguiu. Há cinco anos tenta receber os benefícios do INSS.
"Estão me enrolando. Já tentei voltar a trabalhar, mas não consigo. Ninguém aceita ex-funcionária da Ford. Estamos todas podres", afirma.
(MCC)

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