São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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Uma secessão brasileira

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Em festa no Paraná, o presidente da Renault, Louis Schweitzer, deu a proximidade com o Mercosul como uma das razões para a escolha de São José dos Pinhais para a fábrica da montadora.
Também o presidente da Mercedes-Benz, Rolf Eckrodt, deu a proximidade com o Mercosul como base da decisão de instalar a primeira fábrica fora da Europa em Juiz de Fora, Minas Gerais.
São dois exemplos do fenômeno de "reconcentração econômica" no Sul-Sudeste.
O movimento, que é anterior ao Mercosul, levou à criação de uma frente parlamentar nordestina e a pressões sulistas por "flexibilização" federativa.
Clélio Campolina Diniz, professor-titular da Universidade Federal de Minas Gerais, publicou ano passado "A Dinâmica Regional da Economia Brasileira e suas Perspectivas" (Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do Ministério do Planejamento).
Diniz é citado por economistas nordestinos como Tânia Bacellar, da Universidade Federal de Pernambuco, e Leonardo Guimarães, da Universidade Federal da Paraíba, como o principal analista na área -em função, sobretudo, do trabalho sobre a dinâmica regional.
"O que ocorre é uma tendência à reconcentração na área mais desenvolvida", escreveu Diniz. "Esse movimento está relacionado com as mudanças tecnológicas e a reestruturação produtiva. Além disso, as mudanças ideológicas e políticas no que diz respeito ao papel do Estado, a abertura externa da economia, em especial do Mercosul, (...) terão efeitos decisivos sobre a configuração regional da indústria no Brasil, indicando a possibilidade de sua reaglomeração na região Centro-Sul."
O que era possibilidade ganhou contorno de certeza, desde a publicação, surgindo então as análises geopolíticas. É o caso das observações do ex-secretário de Assuntos Estratégicos e ex-ministro da Marinha Mario Cesar Flores.
Ele alertou em janeiro, na Folha, para o fato de que São Paulo, com a abertura comercial, já "se sente menos comprometido com o atraso e mais ligado ao mercado internacional", o que pode levar ao "aumento dos ressentimentos" e ao "relaxamento da solidariedade interna".
O ex-ministro concluiu: "Podemos chegar ao ponto em que, ressalvado um ou outro assunto, como a integridade e a defesa nacional (por quanto tempo mais?), vamos acabar perdendo o sentido de unidade, comprometido por egoísmos e mágoas regionais".
Em entrevista, Flores acrescentou, quanto à criação de uma frente de parlamentares nordestinos, contrária ao Mercosul, que "bancadas que enfatizem o regional acima do nacional são perigosas para a solidariedade nacional, ao menos no longo prazo".
Também entrevistado, Clélio Campolina Diniz concordou, deu exemplos e foi além, no diagnóstico.
"É uma tendência mundial. No México também está acontecendo isso, com o Nafta. O crescimento econômico está muito mais na fronteira norte, que tem a proximidade com os Estados Unidos. Agora, é muito mais dramático num país com a dimensão territorial do Brasil. Existe risco de uma fragmentação econômica, e com impacto sobre a ordem político-federativa."
O problema no Brasil, segundo o economista, é que regiões como o Nordeste não atraem investimentos industriais.
"Hoje existem fatores importantes para o desenvolvimento industrial -centros de pesquisa, centros universitários, mercado de trabalho profissional- em que o Sul tem vantagens relativas ao Nordeste."
Diniz, que escreve um livro "sobre a questão regional", com atenção para o Mercosul, defende um projeto nacional de desenvolvimento econômico, "em que as várias regiões tenham uma participação no crescimento". E avisa: "Caso contrário, você pode criar uma situação de dualismo dentro do país".
Dualismo, fragmentação, fim do sentido de unidade são temas presentes também para a frente de parlamentares nordestinos.
Um de seus membros, o ex-ministro do Planejamento e agora senador Beni Veras (PSDB-CE), chega a dividir o país em Brasil 1, a região de reconcentração econômica, de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul para baixo, e Brasil 2, com Norte, Nordeste e parte do Centro-Oeste.
Ele diz que o acordo do Mercosul amplia a divisão do país e já sugeriu a formação de algo como um "merconorte", para a maior relação entre o Brasil 2 e países como a Venezuela e a Colômbia.
Outro integrante da Bancada dos Estados do Nordeste, porta-voz dela, ao lado dos senadores Waldeck Ornellas (PFL-BA) e José Agripino (PFL-RN), o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) defende a revisão do acordo do Mercosul.
Exaltado, diz que "já está se criando" um problema político-federativo.
"Aqui não está falando nenhum secessionista, mas cada vez que isso ocorre, cada vez que quebra uma empresa no Nordeste (pela concorrência) de uma empresa argentina, a revolta vai crescendo. E sintoma disso é que toda hora aparece uma análise, destemperadamente, levantando alguns itens de secessão. Não deixa de mostrar como vai calando, como vai crescendo a insatisfação."
A insatisfação não se restringe ao Brasil 2. Os governadores de Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul defendem uma "flexibilização" das normas federativas, que amplie a autonomia dos Estados para assinar convênios internacionais, para integração no Mercosul.
Em reunião do Codesul (Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul) em conjunto com a Crecenea (Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste Argentino), o governador Paulo Afonso (PMDB-SC) chegou a dizer que será conquistada na prática a "ampliação das competências".
A insatisfação também já bateu em São Paulo. Uma das primeiras ações da Bancada dos Estados do Nordeste foi dificultar o acordo do Banespa, com ameaças em troca de programas e recursos para o Brasil 2.
O senador Pedro Piva (PSDB-SP), que negociou o acordo por São Paulo, reagiu, em entrevista. "Eu me nego a uma briga Norte-Sul", disse. "Nós vamos voltar à Revolução de 32?"

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