São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ziuganov diz o que o interlocutor quiser

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

Quase cinco anos após o desmantelamento da União Soviética, a nova face do comunismo, a de Guennadi Ziuganov, 51, é muito russa no aspecto físico e muito ocidental na capacidade de dizer o que cada interlocutor quer ouvir.
O rosto de Ziuganov é maciço, redondo, avermelhado, tipicamente russo, com olhos azuis e calvície avançada.
Mas a sua retórica oscila conforme quem o ouve, a ponto de o jornal "The Wall Street Journal", depois de entrevista com ele, defini-lo da seguinte forma:
"Ele sabe como falar aos trabalhadores e aprendeu como evitar ofender os banqueiros".
Ziuganov é capaz, por exemplo, de pôr toda a candura que o rosto pesado não transmite para dizer-se "privatizante". O que não significa que o Estado não deva, na sua opinião, controlar setores básicos, como energia, as ferrovias, a produção militar.
Oferece ao empresariado a lei e a ordem, o que deve soar como música aos ouvidos deles. Basta lembrar que o crime organizado matou 140 mil pessoas (entre eles, 48 banqueiros) nos últimos anos, nas contas de Ziuganov, "mais do que a URSS perdeu no Afeganistão".
Por isso mesmo, Ziuganov garante que uma de suas primeiras providências como presidente será propor um pacote de leis para proteger advogados e juízes, "o que é indispensável para combater a corrupção e a criminalidade".
O líder do PC usa retórica mansa também para afastar o temor do ressurgimento da URSS. Para isso, desenha todo um teorema sobre o que chama de "nova geometria do poder mundial". Define os EUA como o líder, "naturalmente", mas lista, em seguida, vários outros poderes: a União Européia, China, Japão, Índia, o Brasil, "que está vindo de trás muito velozmente". E, claro, diz que é cedo ainda para afastar a Rússia.
Ensina, então: "Qualquer matemático sabe que, quando há duas incógnitas numa equação, fica dificílimo resolvê-la. Nessa nova equação da balança mundial de poder, há umas dez incógnitas".
A mansidão com que Ziuganov se apresenta ao mundo ocidental é pontuada por frases curtas e contundentes. Exemplo: "Sou a pessoa mais pacífica do mundo".
Não é uma frase solta. Vem amparada na história de sua cidade (Orel) e região adjacente. De cada dez pessoas que foram à Segunda Guerra Mundial, só uma voltou.
A sinuosidade de suas respostas surge até nas omissões. Define-se como filósofo, mas não diz que se formou na academia de Ciências Sociais controlada pelo Comitê Central do PC soviético, bunker do marxismo-leninismo.
No mais, sua retórica é a de qualquer político em campanha, buscando sempre os números mais alarmantes para pontuar suas propostas. Por exemplo: a necessidade de enfrentar o problema social dos "20 milhões de desempregados e dos 15 milhões que dormem famintos toda noite". Como vai enfrentar tais questões, além das outras da tumultuada Rússia pós-comunismo? "Não tenho pílula mágica", é a resposta, previsível.

Texto Anterior: Novo mandato é vital para evitar retrocesso
Próximo Texto: Seguiremos em frente
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.